A Garganta da Serpente

Merivaldo Pinheiro

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

caixa postal

não te imagines correndo pomares antigos
o verde latejante dilacerou-se estrafegou-se
expirou-se: pequena árvore de janela

não te reserves das boas notícias
sobrevives como reflexo no espelho
e és lembrança de zero hora: rua de meninos

não te aborreças com chuvas de inverno
alagados de ruas e passagens servem de amostra
a ditos homens de bondade: qualquercracia

não te ilumines pra morsegares a vida
homens da noite amanhecem cantando
cantigas mais mudas que surdos escutam, apenas
e ruas são pequenos desertos: filhas-de-sol-e-lua

não te aplaudas nessa arquibancada
menino de calça estampada ajuda idosa Sinhá
na travessia da rua Insolação
e doa três moedas a homem de venda no rosto
que vendeu os irmãos ao Titanic: coração

não te durmas o rosto à espera de Deus
orfanatos de Maria são muitos
e muitas marias há pelas vias de fato
acorda cedo, leva-lhes voz e ouvido
e pão ao sopro do dia: hora de juízo final

não te insonies pelo barulho dos homens
os pássaros anunciam quão grande é a manhã
e à tardinha retornam a seus ninhos: viver

não te alimentes de céticos pensamentos
o arco-de-deus anuncia o final do Dilúvio
e o recomeçar sempre possível: palpitante esperança


(Merivaldo Pinheiro)


voltar última atualização: 17/11/2006
2819 visitas desde 17/11/2006
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente