A Garganta da Serpente

Mario Luiz Savioli

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A história de um nome

Tenho o nome do meu avô,
pai da minha mãe
e o do meu bisavô,
pai do meu avô italiano.
Tenho no nome uma história
de quem corria descalço pela rua da Glória
e de quem corria descalço por Schivenoglia
de onde não sei o nome de uma rua sequer.

Mas conheci o meu avô com sapatos de cromo,
couro alemão,
uma elegância natural
e o porte de quem sabia.
Tinha a luz,
a eloqüência de um orador.

Não conheci o meu bisavô,
mas sei que a suas mãos grossas
calçavam as botinas baratas
de quem carpia os cafezais .
E que trazia no peito as canções de saudades,
as risadas estridentes dos camponeses
ouvidas ao vinho verde no pátio da colônia.
E o sonho de um conquistador.
Um Garibaldi
que aos limites da aventura
curvou-se às lavras pelo seu amor ,
Priscilla de MagnaCavallo,
de ruas que nunca pisei e quisera.

Não conheci esta história,
a que começou no outro lado do mundo,
nem o Luiz de quem trago o nome
e a genética de quem sou o herdeiro,
mas choro como meu pai,
quando ouvia uma canção italiana.
E se na minha poesia
trago as palavras que meu avô lapidou,
trago também a emoção
ungida pelo meu bisavô.

Sou como são os brasileiros,
mestiço,
formado de sonhos e tantos sonharam.
Penso no Luiz dos campos e parreirais
com um cachorro vadio,
espetando o pé num estrepe.
Penso nele chorando,
buscando a mãe pela porta tosca de tábuas.
Penso assim pra ele deixar as névoas
e se tornar real .
E sendo-o
procuro pensar como ele seria.

Eu roubei a pipa de um menino
que a deitara ao sol pra secar a cola,
um grude de farinha que manchava
o papel de seda comprado na venda.
Então meu avô me ensinou a fazer pipas
e me seguia complacente com os olhos.
Entendia que a agitação era a vida
que me tomava a cada dia.

Tinha o rosto marcado pelas varicelas
que feriram os tempos moços,
tocava flauta como um mestre,
usava chapéu de feltro cinza
e a camisa de gola engomada
trazia no peito uma gravata de seda.
E gostava de jogar buraco.
Minha avó Cota era sua parceira.
De cama e baralho.

O meu bisavô nem me deixou um recado,
nunca o vi,
nem soube que eu nasci,
nem me fez uma pipa,
nem me deu o seu nome Luiz.
Meu pai o tomou por conta
pra deixar o meu avô italiano feliz.
Eu era o primogênito.

Nem sei se mereço o Luiz.
O Mario sei que mereço,
meu avô o aprumou.
O Luiz podia me querer outro,
eu sou apenas um poeta,
mas ele veio da terra dos poetas.
Talvez por isso não gostasse.
Ou gostava.
Ouvira Virgílio
e quem sabe lamentasse não saber ler nem escrever.
Se me quisesse outro,
seus genes também me fizeram assim.

Mas procurei ser o melhor Luiz que pude,
assim como o Mario que me compôs.
E usei os nomes com muito orgulho
pelas carreiras e pelos tropeços.
Não fui Felício nem Fernando
e se alguém tece o destino desta lida
sabe o porque carrego este nome mestiço
pelos dias desta vida.


(Mario Luiz Savioli)


voltar última atualização: 26/04/2004
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