O caminho do inferno
Penso que para descer ao inferno
há um só caminho extremo e longo.
Não sei quantos já o percorreram.
Talvez alguns, mas todos irão.
E quando o insuportável assoma,
a trilha na lama por raízes ,
por escombros do que era a paisagem,
toma rumo ao cenário perdido.
O lodo tranca as dobras dos joelhos
e fumarento se estoura em bolhas ,
os pés incertos buscam os passos,
podre o chão se rompe ao pisar.
Ouvir gritos frios e lancinantes
e os gemidos pelos entremeios,
pelo horror de uma noite maldita
e uma tempestade que não vem.
O céu coberto é denso e plúmbeo
e o uivo agourento de um ser estranho,
a preencher todos os vãos do breu,
açoita a coragem que se expõe.
Parece que me seguem furtivos
escondidos na noite, felinos,
como se fossem a minha sombra,
armados os botes traiçoeiros.
O ar não se respira de tão úmido,
já vem às narinas como o esgoto
e me arrasto como uma jibóia
entre as sanguessugas que me ferem.
Parece que o espírito duvida
e segue o corpo obstinado,
tão insólito e teso nos ossos,
a pele de uma asa de morcego.
Quanto mais penetro nesse beco
mais a vontade de morrer cresce.
As luzes estão no abrir das pálpebras,
singelamente no abrir das pálpebras,
mas o coração já viciado tem medo
da felicidade que se expõe,
como se ela a ser feita sem dor
fosse um mau prenúncio, um mau agouro
e eu que me habituei a esse medo,
medo da felicidade prenhe
e vivi pelos cantos calado
na espreita.E ela já era tão minha.
Exausto, estou só. Quem mais alem?
Não poderia deixar de estar.
A solidão faz parte do homem,
se faz no nascer, se vai à morte .
Prossigo a me arrastar cegamente
e pela crueldade do caminho,
coberto dos vícios que tomaram
as minhas decisões arrastadas.
E a miragem engana e se faz,
como uma droga injetada na veia,
num corpo abatido a procurar
o prazer fortuito da ilusão.
Não se esconde o cenário cruel,
não é paisagem posto ser da alma.
Vou perdendo a condição de ser,
tornando-me a sombra que me segue,
mas a eternidade tem o tempo
do longo caminho a percorrer
a distância que jaz infinita
quando não conseguimos chegar.
(Mario Luiz Savioli)
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