A Garganta da Serpente

Mario Luiz Savioli

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

O caminho do inferno

Penso que para descer ao inferno
há um só caminho extremo e longo.
Não sei quantos já o percorreram.
Talvez alguns, mas todos irão.

E quando o insuportável assoma,
a trilha na lama por raízes ,
por escombros do que era a paisagem,
toma rumo ao cenário perdido.

O lodo tranca as dobras dos joelhos
e fumarento se estoura em bolhas ,
os pés incertos buscam os passos,
podre o chão se rompe ao pisar.

Ouvir gritos frios e lancinantes
e os gemidos pelos entremeios,
pelo horror de uma noite maldita
e uma tempestade que não vem.

O céu coberto é denso e plúmbeo
e o uivo agourento de um ser estranho,
a preencher todos os vãos do breu,
açoita a coragem que se expõe.

Parece que me seguem furtivos
escondidos na noite, felinos,
como se fossem a minha sombra,
armados os botes traiçoeiros.

O ar não se respira de tão úmido,
já vem às narinas como o esgoto
e me arrasto como uma jibóia
entre as sanguessugas que me ferem.

Parece que o espírito duvida
e segue o corpo obstinado,
tão insólito e teso nos ossos,
a pele de uma asa de morcego.

Quanto mais penetro nesse beco
mais a vontade de morrer cresce.
As luzes estão no abrir das pálpebras,
singelamente no abrir das pálpebras,

mas o coração já viciado tem medo
da felicidade que se expõe,
como se ela a ser feita sem dor
fosse um mau prenúncio, um mau agouro

e eu que me habituei a esse medo,
medo da felicidade prenhe
e vivi pelos cantos calado
na espreita.E ela já era tão minha.

Exausto, estou só. Quem mais alem?
Não poderia deixar de estar.
A solidão faz parte do homem,
se faz no nascer, se vai à morte .

Prossigo a me arrastar cegamente
e pela crueldade do caminho,
coberto dos vícios que tomaram
as minhas decisões arrastadas.

E a miragem engana e se faz,
como uma droga injetada na veia,
num corpo abatido a procurar
o prazer fortuito da ilusão.

Não se esconde o cenário cruel,
não é paisagem posto ser da alma.
Vou perdendo a condição de ser,
tornando-me a sombra que me segue,

mas a eternidade tem o tempo
do longo caminho a percorrer
a distância que jaz infinita
quando não conseguimos chegar.


(Mario Luiz Savioli)


voltar última atualização: 26/04/2004
4276 visitas desde 01/07/2005

Poemas deste autor:

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente