A Garganta da Serpente

Maria Georgina Albuquerque

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página
Leopoldina

Ah, mas esse mundo já foi de tanta gente!

Tantos rios abraçados por moleques pés-no-chão.
Nadadeiras fortes, pensamentos hesitantes
E a tão velha Leopoldina, negra ativa do sertão?

Grandes bacias de cobre no asseio da velha cozinha.
Mãos calejadas, queimadas, no eterno catar-de-feijão.
Quadris medonhos, carnudos, assentados na palhinha,
pés descalços, talvez frios, no assoalho do salão.

Roda e rodopia,
vem a vida e a vida vai...

Ah, mas esse mundo já foi de tanta gente!
Quantos meninos tenazes mergulharam nas escolas,
seus sapatos ensopados pela chuva e o lamaçal.
E os olhares pensativos, transpondo os limites do sonho.
A professora, os cadernos, o rio sujo e o anzol.

Roda e rodopia,
vem a vida e a vida vai...

Ah, mas esse mundo já foi de tanta gente!
E o ancião tão sozinho na troca injusta da sorte.
Vai a vida, vem a morte...
E a alma, clamando auxílio,
não propaga pelo corpo todo furor que carrega.
Os olhares são aflitos, ansiosos pelo quarto.
Lembranças passadas no campo, o velho amigo do bar...
Onde ele está que não chega pra morte do velho afastar?
O cheiro da namorada, a colônia de alfazema,
perdeu-se entre o cheiro das flores e o choro das carpideiras?

Roda e rodopia,
vem a vida e a vida vai...

E esse mundo já foi de tanta gente!
Louvado aquele que puder abocanhá-lo,
sangrar-lhe a carne, castigá-lo na ferida.
Fazê-lo nos devolver a boa negra Leopoldina.
Seus olhos vermelhos de choro, transformados de alegria.
Suas mãos se tornem macias, graciosos os traseiros,
pés delicados calçando belos pares de pelica.

Aos meninos, retornem as balas.
A nós e ao velho, a Vida!...


(Maria Georgina Albuquerque)


voltar última atualização: 06/08/2004
6121 visitas desde 01/07/2005

Poemas desta autora:

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente