O SEGUNDO SEGUNDO

Antes do segundo,
tem sempre o primeiro
a cronometrar a vida,
marcando o compasso
de cada passo
de cada gesto,
de cada suspiro-respiro
que o peito consegue soltar.

Antes do segundo,
o primeiro,
por ser primeiro,
ganha uma estúpida precedência
de quem vem à frente
e delimita o espaço
em que se pode bordejar.

Ele não se preocupa
em deixar vago
um pequeno lugar
que possa ser teu.

Quer tudo,
só por ser o primeiro.

E vai, desde o primeiro vagido,
determinando as regras
que se perpetuam
em dogmas e leis.

Andar tem que ser
botando um pé na frente do outro.
Segurar tem que ser com a destra,
sem importar se é a sinistra
que comanda teu ser.
Falar tem que ser
igual ao que os outros dizem
sem deixar a possibilidade
mesmo que remota de
se criar uma verbalização tua,
tão particular e interessante,
mas que é o teu jeito de dizer.

O primeiro segundo te tira
da farra e te manda ...
pra escola aprender o bê-á-bá,
a contar números que se somam,
dividem, multiplicam e subtraem.

A cantar hinos que você não quer
a dançar com quem não te apetece
a vestir fantasias
de caipira, de herói, de fadas
e não te deixar ser você.

Depois vêm os livros
Contando-te sobre a Mesopotâmia
e não te falando do Iraque.

No primeiro segundo
Dizem-te pra amar a Deus
e não te mostram o amor ao próximo.

Chamam-te, no primeiro segundo,
De criança, adolescente,
jovem, moço, garota
e esquecem os teus direitos de gente.

Querem-no humano
E tratam-no de humanóide,
imbecilizando tua mente
com revólveres de plástico
e armas de super-heróis.

Mandam-te estudar pra ser gente ...
Tic

(MMIII, jul, 18)

(Luiz A. Bonini)