A Garganta da Serpente

Lucas Tenório

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

E Então, João? ?

E então, João?
E então, José?
José... É agora!

Agora deixa de lado essa conversa,
brasileiro!

Vê se há nesse país um dia
sequer sem festa?
Ou quem já viu, José, um dia escuro?

Pula o muro, José,
e sai correndo, a pé,
atrás do filete de luz do mundo,
que o Carlos te roubou.

Drummond te enganou,
José!

Ô José, mulher?

Mulher se está ali, aqui,
acolá e cá!

Mas é preciso dar, José,
... carinho. Ele falou?

Teve tempo pra te mandar beber, cuspir,
fumar, e até ler e discursar!

Ele te escutou?

Ah, certamente o tanto que escreveu,
fumou, bebeu, comeu e arrotou... né?!

Ô José, caro José,
arromba esse portão, José!

Acaso temes que o poetinha
não tenha a cópia?
Qual senão, José?

Ah! Não há porta ou fechadura?

Pois então, humana criatura!
E o que é mais que te segura,
Deus do céu?

Uma noite fria e escura?
O espesso véu de um dia que não vem?

José, ô José, ninguém,
mas ninguém, nesta terra,
jamais ficou sem um bom dia
depois de uma longa noite de sono,
ou de abandono.

E outra:

"Parede nua para se encostar",
não te enganes, mais me cheira a
laje de sepultura.

É José,
te admira esse degredo?

Incoerência, ódio?
Medo?

E o que esperas, José, de quem te dá
esse Presente de Grego?

Flores?
Doce de leite?

Um cavalo,
um espetacular cavalo, José,
e de tróia...

Nem preto, nem branco
ou malhado... pior,
de pau e manco...

Vais ganhar alguma guerra com ele,
José?
Aonde?
No Peloponeso?

Pega mesmo o bonde, José,
e deserta,
enfezado,
aos trancos e barrancos!

Vamos lá, José! É agora!
É com você, irmão!
- "Quem sabe faz a hora não
espera acontecer".

Não?

É, José...
Eu também cansei, sabia?

De utopia em utopia a gente
vai levando...
e tropeçando.

Vai carregando, nos ombros,
as pedras do caminho...

Um dia só, outro sem ninguém,
outro sozinho...

Quem sabe amanhã até mal acompanhado?

Sendo insistente, e com sorte,
se arruma até quem cante, conosco,

e de lado,

aquele belo purgante da Valsa Vienense!

Ah, mas que coisa impressionante!

Seria esse coro, José,
deslumbrante!

entre você e seus ausentes,
ou amantes.

É hora, José!

Veste o terno de vidro!
(Esboça um largo sorriso)

Põe fogo, bastante,
na biblioteca.

Salva a pinacoteca,
e os discos,
e as poesias.

Deixe o ouro para trás,
José!

Pesa, e tá fora de moda.
Alegria!

Bota é dinheiro - vivo, no bolso,
ô mineiro!
(o morto com você é que não
compra, não é?)

Toma um banho,
penteia o cabelo, e sobrancelha.

Toma um forte desjejum:
café paulista, com charque e macaxeira!

E então, camarada?

Ainda acreditas em sina?

Você,
José?

Queres ficar aí, esquecido,
sem graça,

em Minas,

com todo esse desprezo?

E com um chaveiro pra coleção?

Não?

Morrer, morrer o quê, José...

E no mar?
Que sacrilégio com as baleias!

Vem é cantar, mineiro, e Frevo,
ao leve tom da lua cheia!

Desiste, José,
desse desterro,

e vem comigo, conosco,
vem, desiste!

Vem cá, amigo, vem no passo,
marchar!

Para onde?

Hum...?

Que tal no Recife?

(Inspirado pelo poema "José", de Carlos Drummond de Andarde)


(Lucas Tenório)


voltar última atualização: 01/08/2002
6666 visitas desde 01/07/2005
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente