A Limpidez da Alma
Meu vizinho se acaba em seu Transtorno Obsessivo Compulsivo. O porteiro, embasbacado
como sempre, é cardíaco e todos os dias me vejo a achá-lo
morto na guarita e eu tendo que pular o portão. O cobrador do ônibus
é paraplégico e passos todos os dias por uma roda de mudos no
Terminal Central, todos eufóricos e expressivos. Um dos meus professores
é esquizofrênico, o resto, não passam de uns retardados
ordinários que invejam seus próprios alunos; entre meus colegas
de classe temos: homossexuais, drogados, falsos e verdadeiros religiosos, afortunados
imbecis, jovens revoltados, e ainda: tímidos, fracos, exibidos, cansados,
tristes...
Na igreja, meu padre é castrado, os coroinhas são gays e o dinheiro
que escorre voluntariamente dos burros para os FDP, é mais sujo do que
o meu rabo.
O taxista é rabugento e grosso, acha que merece o pagamento em dobro.
Minha sogra é hipocondríaca e meu cunhado tem o coração
mais mole do que o pau do meu avô, sofre de tão cândido e
eu sofro junto. Um dos meus melhores amigos sofre do mal-de-não-sei-o-quê
o que me causa duzentos pesadelos por noite, um mais trágico e cômico do que o outro.
A esquina da daqui está amontoada de putas e meu cortiço é
quase uma boca de fumo. Meu patrão é um câncer ambulante
e tem um nariz monstruoso. Meu irmão é forte como um touro e eu,
seco como um faquir; minha mãe destrói o Novo com a leitura diária
de livros de alto-ajuda e misticismo, quase uma maga branca, quase uma fada
esquecida, um anjo que ainda vive e que só peca em tentar decifrar os
sonhos; meu pai morreu de Enfisema Pulmonar, e eu fumo vinte cigarros diários;
minha vô é diabética e minha mulher era chocólatra.
A lepra já não é tão destrutiva, mas o álcool
a cada dia arrebenta mais a nossa raça. Alcoólatra ou Maconheiro?
Os dois ou um Santo? A cada passo: uma deformidade exorbitante. A cada ciclo
respiratório: um corpo oco que vai ao chão, sem alma, sem fluidos,
lotado de micróbios.
Quem quer ser limpo?! O cheiro importa? E o intestino? E o instinto?
Obrigado, mas estou muito bem e acho tudo muito comum: do sadismo ao incompreensível
voto de castidade, claro que com uma tendência particular para extraordinário.
Mandaram que eu me calasse, que me limpasse e fosse correto.
Mas eu, realmente, não entendi.
(Leandro Duarte)
|