A Garganta da Serpente

Junia Bittencourt

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METADES PERDIDAS

Queria encontrar o manto que você me trouxe
Dizer o mantra que você compôs pra mim
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Exausta das noites de amor eterno
Eu devia permanecer isenta de fraquezas
A percorrer as dobras das montanhas
Ganhar Américas e cruzar fronteiras

O luar prateando os caminhos
Da noite mística e silenciosa
Nos fazia ver na luz dos pirilampos
Um bailado verde cintilante
E ajoelhados ao sabor dos beijos
Acabávamos na terra umedecida
Nas folhas secas a servir de leito
Nossos corpos se despetalavam
E nossas almas não nos pertenciam

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Não temia tempestades, nem trovões
Nem raios, nem a morte
Porque quando se é feito de felicidade
Quando se tem a terra prometida
Quando se compõe versos de uma ode
Não se tem menos que tudo nessa vida
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A minha alma era só amores
E de tanto amar eu acabei sozinha.

Setembro de dias mornos e primavera perfumada
Não havia mais ninguém no mundo
Éramos nós dois o tempo todo no caminho
Por onde andássemos não havia olhares
Não havia censura nos lugares
Nos colocávamos nus e permissivos
A mercê dos carinhos das mãos do vento
A mercê das canções das notas mudas
E nesse soslaio de amor eterno
Nasce em mim o mais puro desengano
E eu não podia viver a felicidade
Porque a perda seria a própria morte
Viver tão grande amor com lealdade
Meu próprio ser não suportaria

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Dizer que se ama ou não se ama
Na plenitude de encontrar em vida
A metade que andava perdida
Enquanto isso no porão escuro
A alma alerta em grande manifesto
- Tenha medo desse amor e fuja
A vida toda pra você não resta

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O que há comigo que não posso
Viver o meu amor como devia
Fazer ninho, fazer felicidade
Que diabos vive em mim essa agonia
De acreditar que se morro de saudade
Morro de saudade do que vinga
E não de um amor pela metade
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Fugi de você e do nosso amor
Tudo tão perfeito não dura à eternidade
Pelo medo de perder o abandonei
E hoje vivo morta de saudade
Afoguei você no mar do norte
Abandonei a relva perfumada
O cheiro do nosso amor amargurado
Esqueci onde guardei o manto
Inventei na noite furiosa
O meu próprio mantra de covardia
Soziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinha...

E por todos esses anos que já foram
Em cada esquina eu quero ter de novo
O nosso amor de que quando foi e não podia
Mas logo sobe um furor do peito
Que corre desesperado à garganta
E a voz rouca da alma enlutada
Diz com todas as letras e não se engana
- Tenha medo desse amor e fuja
A vida toda pra você não resta
E eu obedeço porque sei não posso
Arriscar ser feliz, muito e amiúde
Meu coração é sem forma e eu desatino
E meu mantra vem embalar meu cio
Soziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinha...

(4° colocado no 6º Concurso de Poesias da
Universidade Federal de São João del-Rei - MG, 2006)


(Junia Bittencourt)


voltar última atualização: 15/08/2006
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