Fizemos tudo ao contrário
As centopeias começaram a arrancar as patas fartas do nome
O mar afogou a lua, a terra partiu o eixo e cegou a estrela polar
O sol caiu em depressão pela rotina
O chão vestiu-se ao contrário e só as nuvens eram enterradas
As palavras subiam às raízes das árvores, os gestos eram
de fogo
A consertarem placas de uma boca desdentada
A ordem era o pior dos caos, e agora se vestiam os dogmas num entardecer
Sem dia e sem horas aonde a memória procurava o homem nos dejectos da
vergonha, Vivia em tocas aonde nenhum lobo entraria, os marcos eram retratos
passados e nem os Seus filhos queriam nascer, e até o respirar tinha
horário, tudo foi sempre ao contrário, Os deuses eram mãos
abertas que sufocavam, a flor mais livre sabia sempre quando Vinha a chuva,
a águia mais forte a que adivinhava e se recolhia da tempestade, Trazíamos
em cada bolso de umas calças pregadas à pele, pedaços de
veneno e de Semente e o nosso corpo era um caldo de células vivas e mortas
que íamos largando, Devíamo-nos ter despido e lavado a carne infecta
em torrões de terra sadia
Devíamos merecer os frutos em cada estação, há sempre
um tempo para semear e um Tempo para colher, e um tempo sem tempo para renascer
Hoje as centopeias vivem em cadeiras de rodas mas já não têm
para onde ir
Fizemos tudo ao contrário
(João Sevivas)
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