A TOCHA NA NOITE
Com a tocha na mão, saio da caverna
a face gelada como a pedra, o limo a escorrer da face
com o silêncio.
A montanha vai desabar, não restará pedra sobre pedra
nenhuma árvore, vegetação nenhuma
e a água vai se transformar em pedra, em pó
e deslizar sob as ruínas.
Um sino ainda toca, ressoa surdo nas galerias
entre os dentes das pedras.
Ó taciturno, eu digo, a face pálida contra as tochas.
Um gavião grita com o fogo na língua.
Ah, se eu soubesse a verdade.
Ah, se eu soubesse quem me segue encapuzado.
Nunca estou sozinho, sempre o gavião me segue
e o outro, o encapuzado.
Passeio por entre velhos túmulos
ossos despontando na terra revirada
e uma única cruz, enterrada pela metade
um galo sentado num dos braços cantando
cantando desesperado
cantando como se estivesse para morrer.
Tenho a chave na mão,
aperto com força a chave na mão até sangrar
mas não encontro a porta.
O barco está longe,
o pântano afunda sob meus pés.
Terei deixado os papéis em ordem? Poderei partir?
sem prejuízo, sem agonia, sem multiplicar a morte?
Meu cavalo está morto.
Meu cão está morto.
Minha mão está morta, quase seca.
O fogo me queima os cabelos,os olhos, a língua.
Devo partir?
É chegada a hora?
O mar enlouqueceu,
o céu enlouqueceu.
As chamas unem as nuvens e as ondas.
Rodopiam,
rodopiam.
É tarde? É a hora? Os gonzos da porta rangem.
E eu que não encontro nenhuma porta.
O galo canta
escorre sangue da garganta
mas canta.
(José Carlos Brandão)
|