A Garganta da Serpente

Hermanno Guimarães

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Terceiro ato na vida de
Maximus Imphimus

Precisou ofegante contemplar
Dos cimos de sua sabedoria cotidiana
Toda a vasta extensão
de sua cósmica ignorância

Viu largado, entre os capins do canteiro sujo
O seu olimpo herói massificado
Estava inerte, drogado nos venenos da lucidez
E sentia-se morrer, como areia demolida
Sua própria sordidez.

Precisou arquejar o ar, mover as mãos
Sentir os pés no chão
E secar ao rubro todas as lágrimas
Contidas até o não!

(fluía oleosa nas veias, sua vida
e mesmo diante de desastres inevitáveis,
movia-se em planos concebíveis)

Nos pés das romanas escadarias imensas
Via-se a dedilhar os salmos
As arqueologias bíblicas
Como toupeira no fuçar de escuros túneis
e transpunha-se aos jornais
nas brilhantes tintas bacanais.

À distância, sons, tinir de pás
O cavoucar de sustentos, a terra imensa
Férteis chãos seus

O suor, o cansaço, as lutas
O escorrer das dores pelos lisos cabos,
O rastejar de rabos
O trabalhar de panelas
Os olhos grudados nas janelas
E de sua órbita prosseguia
Maximus Imphimus
Erguendo homenagens
Aos caídos bronzes

(noite após noite, dia após dia
soluçava risos,
quem compreendia?)

-Acorde, Maximus!
Junte ali e lá certos pedaços
Costure, asse e molde teus vasos
E neles construa
A anônima estória de teus casos

(que fazer dessas páginas lidas
das discussões tidas
dos risos forçados,
o amor guardado,
a inconclusão obtida?
Talvez seja preciso nesta manhã,
mais uma vez,
Seguir os caminhos do elogio
E percorrer com ele os labirintos da alma)


Recostou nos batentes da porta
E mirou aquelas cenas de rua,
As familiares cenas de rua,
Os traços de vida, lapsos e fragmentos
Das existências suas

-Vamos lá homem, coragem!
Levante essa cara
Enxugue as rugas
Elabore um sorriso preciso,
Em algum canto dessas margens vadias
Deve ter travessia!

(pelos vãos da porta, no chão,
chega postado aviso:
jogue fora tua coleção de nãos!)


(Hermanno Guimarães)


voltar última atualização: 26/12/2007
11674 visitas desde 26/12/2007
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente