A Garganta da Serpente

Hermanno Guimarães

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Navio Azul

Se houvesse um claro motivo
eu teria me penhorado
teria dito:
mas que coisa, hein?
Teria acordado de manhã
sem qualquer preguiça
visto tudo e voltado a dormir
no entanto
quero solução toda a vez
que a campainha da porta toca
e me perguntam:
você está?
De pronto, digo não!

E diante da tevê, indignado, colérico,
atiro-me vibrião,
através das nuvens vielas e
farolentas avenidas,
ao canalha interpelo:
tudo isso prá quê???
Coloridas vozes comerciais
respondem espumantes:
C'est tutti for you..!!!

Imagino que seria urgente largar
o aórtico coração,
a meio caminho de um sonho
e,
lá no fim das estribeiras ,
no colo de uma felicidade qualquer,
lembrar-se dele já nu pulsando,
digamos,
como um humilde cão de rabo abanante,
ternos olhos de sincero abandono,
um acidente vascular sobrevenha...

Decididamente,
a canto nenhum iremos,
ou chegaremos,
que não apenas imaginemos chegar:
Após o toque de sete segundos, game over!

Sem dúvida, com todas as dúvidas,
o mundo,
digo ao inconsolável jornaleiro,
não te iludas com toda essa geringonça,
e mais,
toda essa inflação te pegará,
pelos teus fundilhos sujos,
tuas mãos encardidas,
tuas unhas,
teus ensebados cabelos,
a roupa insossa trovoada de domingos,
tua banca velha e torta de tantos um dia.

Tua alforria era esse alvará?

Até onde minha vista alcança
e meu olhar penetra/
Engana-te!
Quero-o morto!
Não,
não quero safenas a desvia-lo,
não quero lixo,
não me sirvo de lixo!
Com toda a dignidade que a pompa oblige,

Ao primeiro exame,
o lugar não me parece longínquo.
Entro no Hospital Quem é Santo?
perambulando pela feira,
por entre filas de cadáveres extenuados,
com uma inepeéssica esperança brilhando,
macas moribundas,
olhos marejados,
ombros caídos por pesos não partilhados,
desesperos em tecidos,
estampados de sangue tipo O
e música caótica de gritos
de tal maneira que,
ao fim do corredor,
sorri:
a administração calculava custos...

olho e não vejo,
nenhuma diferença fundamental neste dia,
ou qualquer outro dia igual,
repetindo-se todos os dias,
numa assombrosa ausência de conclusão.

Por ímpeto resolvo
do alto da escada:

tomarei este navio plácido,
ancorado por mim neste florestal
porto seguro.
Ali me instalarei!

Ouçam todos!

e quem sabe,
com esta lotérica sorte,
chegarei comandante
e zarpa o vapor
movido a diesel
singrando suaves ondas ondulantes
em mar de brigadeiro cristalino:

tudo Azul, Capitão!

Okay! respondo eu,
mas quando o dia
me acordar,
é porque chegou tempestade,
mas isso nunca é claro,
no grande
Navio Azul !


(Hermanno Guimarães)


voltar última atualização: 26/12/2007
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