A Garganta da Serpente

Hadan F. Porfírio

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O Amanhecer e as Trevas

I
Introdução

Raia o sol - e sua agonia com ele
Por que dissipa as trevas e resplandeces em glória?
Por que, imponente como te apresentas, me torna um comum e zomba de mim?

Quando te enobreces, me cansa o coração
Se fosse o dia, trevas, com certeza passaria o dia mais feliz
O prazer de sua luz é me consumir

Que fazem os amantes de dia, se já o fizeram à noite?
Por que são as criaturas da noite mais belas do que as do dia?

Bela são as trevas e nela, meu coração se alegra
O dia, cobiça dos santos, nada mais é do que consolo dos miseráveis
E nada mais é do que desgraça para mim!

II
Cânticos

Cantou-me as trevas seu canto lúgubre
Sua beleza se encontra no coração dos que a amam
O dia, com seu cântico sem doçura - seu insuportável barulho,
Me irrita e ensurdece meus ouvidos...

Que cântico mais doce há do que de anos melancólicos?
E que estrondo é maior do que o do sol que se atreve a nascer?
Os cânticos da noite são soturnos
Enquanto os diurnos nem ao menos têm harmonia

Pobres que são...

São doces! São doces! Os cânticos de minhas trevas!
Que sussurram aos ouvidos de meus amores
As doces palavras que querem ouvir!

São as trevas! São as trevas, amores meus!
São elas que nos deliciam...
O que fazer do dia e seus cânticos horríveis?
Escarra em seu barulho sem melodia - chicoteia sua luz sem nenhuma poesia...

III
Criaturas

São belas as suas criaturas, oh!, excelentíssima madrugada!
Até o mais atormentado dos demônios se torna o mais belo dos serafins...
Criaturas do dia: que horríveis que são!
Por que mentem, rezando uma alegria que não têm?

Te são belas as criaturas, oh!, noite amada!
E as do dia, porém, coitadas!
São ridículas - ainda insistem em expressar uma alegria que já jaz morta...

Sejam asas, sejam chifres;
Sejam aberrações ou dilaceradas -
Quem ousará chamar-lhes feias?
Se são tristes, sua tristeza é verdadeira...

Mas sua beleza, peculiar e eterna...
Que criatura é mais nobre,
Mesmo no mais vil pecador?
Com certeza, do dia não virá essa oferta...

IV
Amores

Que amores são mais belos
Do que os regidos pela noite?
Quem ousará desafiar essa entonação?
O dia? Tem sua própria maldição!

São os mais belos, os mais puros -
Porque no dia não há amores!
São belos os amores que nascem na madrugada -
Quem se atreve a negar?

Onde, hipócrita diurno, amas tua amada?
Não é no dia, com certeza!
Mesmos os amores mais solitários nunca ficam totalmente solitários...
O dia mesmo pode fazer isso?
Claro que não!

Que amores são mais belos que os noturnos?
O silêncio provém daqueles que não têm respostas...
Saia da frente, diurno,
Já é noite, e eu também quero amar!


(Hadan F. Porfírio)


voltar última atualização: 25/03/2010
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