A LágrimaManhã de Junho ardente. Uma encosta escavada, Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha, Sôbre uma folha hostil duma figueira brava, A aurora desprendeu, compassiva e divina, Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
Passa um rei com o seu cortejo de espavento, - "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar, "Há rubins orientais, sangrentos e doirados, "Há pérolas que são gotas de mágua imensa,
"Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir, "Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema, E a lágrima deleste, ingénua e luminosa, *** Couraçado de ferro, épico e deslumbrante, E o cavaleiro diz à lágrima irisada: "Far-te hei relampejar, de vitória em vitória, "E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
"E assim alumiarás com teu vivo esplendor E a lágrima celeste, ingénua e luminosa, *** Montado numa mula escura, de caminho, Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro: E o velhinho andrajoso e magro como um junco, Vendo a estrêla, exclamou: "Oh Deus, que maravilha! "Com meu oiro em montão podiam-se comprar "E por esse diamante esplêndido trocara E a lágrima celeste, ingénua e luminosa, *** Debaixo da figueira, então, um cardo agreste, "A terra onde o lilaz e a balsamina medra "Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso, "Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos, "Nunca junto de mim ranchos de namoradas "Voa a ave no azul e passa longe o amor, "Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d'água,
E a lágrima celeste, ingénua e luminosa, *** E algum tempo depois o triste cardo exangue, Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito, E ao cálix virginal da pobre flor vermelha (Guerra Junqueiro) |