A Garganta da Serpente

Giuliano Valverde da Silva

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De Minha Infância Fugidia

Danos irreparáveis no teto da casa escura
O cheiro de podre que vem lá de cima
É tão acre e pungente que me traz uma sombria
Felicidade
De um canto ainda mais negro surge uma voz
É tão completa em si mesma, que me sinto vazio
Logo meus sentidos são tirados de mim
E me encontro só, diante do Medo

Sinto os tremores das finas ripas de madeira
Que um dia alguém ousou chamar "paredes"
Amaldiçoando-me como uma jura
Profetiza palavras sem som
Que ouço alto como num desfiladeiro
Onde o vento já não é mais meu amigo
E castiga-me como à um animal

Dentre a massa escura e densa
Vejo um rosto horrendo de quem não conheço
Mas que saberia quem é se o encontrasse
É como um crime onde a vítima não cessa
A esconder-se por entre as névoas

O lúgubre e tolo empate só termina
Quando acordo chorando, em minha cama
Desisto de quase tudo na vida
Apenas para esta dor ir embora
Aceito pactos, minto como a víbora
No intento de meu horrendo pesadelo afastar

O coração aperta no peito
Vibra como um guizo no chão quente
Fica doente ao perceber que nada pode
E nada deve
Contra a Besta

Na luta por manter-me oculto
Vago noites em fazer o impensável
Destruir e fazer sangrar
Aqueles que nada devem
E nada podem
Contra a Besta

O sangue que vai ao vento
É de presa minha
Com ele vai todo o alento
De mais uma criatura
De uma safra nova e com o frescor da vida
Colhi esta minha cria
Que há de sussurrar-me crueldades
Quando do ninho vier a retornar
E a Morte será meu guia
Por dentre a noite e o dia


(Giuliano Valverde da Silva)


voltar última atualização: 10/10/2003
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