A Garganta da Serpente

Georkaeff Wandega

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A LIÇÃO DE UM PRIMATA

Hoje eu vi um animal;
Um primata, pré-histórico e peludo. Um Neanderthal.
Barbudo, cabeludo, vestido num short verde imundo
Vitima da tirania capitalista deste mundo.
Com frio, trêmulo e meio tonto
Encolhido, de braços cruzados recostado num ponto.
À deriva, esperando o ônibus da morte passar
Um milagre, ou a chuva fria e fina que caia estiar.
Ao tentar falar com ele, olhos tristes e descrentes
Acenava com a cabeça, as palavras ficaram presas dentre dentes.
Fui em casa buscar roupas e biscoitos, no caminho ia me perguntando:
Se no lugar dele estivesse o que faria? Onde estaria andando?
Será que se pode chamar um cara como este de cidadão?
O que é ser cidadão?
É portar um pedaço de papel plastificado na mão?
Pisar em quem nada tem; ser cidadão é ser escroto?
E virar as costas pra não ver
Por que o que acontece não é com você...
E é indiferente com um coitado, um maltrapilho se desgraçando
Isso não tem graça mesmo, não era você que passava pelo frio que ele estava passando.
E se ele decidir matar, roubar... o que fazer?
Ele não tem a ninguém, muito menos algo a perder
Já não tem moral
Nem identidade, excremento social...
Mas tem estomago, e precisa comer
E a necessidade lhe dizendo pra fazer.
Tem de se acostumar, não é doente mas precisa fingir anorexia
Pois se ligar a barriga dói e aumenta a agonia.
O que deve ele fazer? A pergunta que na cabeça insiste...
Onde estará o "Todo Bondoso"? Será que p'rum mendigo ele existe?
Por dentro há um vazio, um buraco
A única coisa que sobrou: um barraco, que é sua casa.
Sem teto e sem paredes ela é feita.
Teto de dor, e indiferença é a cama que ele deita.
Não tem dinheiro pra alimentar um vicio
Por que sei que é difícil
Sei que um vício não cura
Mas é um refúgio... por que na realidade a vida não é dura.
(nós é que somos moles demais)
E sei como termina essa história
Da vida de um cara sem alguma glória
Não é preciso ser profeta pra saber que com ele não será diferente
Que será mais um indigente
Enterrado num cemitério, numa quadra
Sob uma cruz, insignificante, pequena, branca e numerada...
Ao entregar as roupas e os biscoitos, olhos assustados e surpresos
Geralmente os pés passam e lhes dão desprezo
Desta vez um par de pés perante ele parou
Envergonhado submisso pra cima ele olhou
Entreguei o "presente"
Vivia na rua, nada tinha e era educado.
E soube fazer o que muita gente que tudo tem na vida não sabe: dizer "obrigado".

(08/08/2001)


(Georkaeff Wandega)


voltar última atualização: 09/02/2004
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