Cabeças de cavalos
Cabeças de cavalos negros projectam-se das palmas das minhas mãos
tentando selvaticamente saltar para o mundo exterior ao meu corpo.
O peso das suas cabeças não permite que os meu braços
se sustenham no ar por muito tempo. Apenas o tempo suficiente para lhes
apontar os olhos a uma árvore carregada de cenouras,
na tentativa de lhes refrear a voracidade com o estímulo de alimento.
A cavalo dado não se olha o dente, já eu sabia, mas subestimar
a fome dos bichos pode acarretar certos riscos.
A força do rejúbilo dos cavalos atirou-me ao chão e as
suas línguas compridas
começaram a deslizar na saliva pela terra fresca e a sugar minhocas do
tamanho de jibóias.
Minhocas tipo jibóias de cores tropicais que, a meu ver, poderiam facilmente
e a qualquer momento rodear-me o pescoço
e sufocar-me até me saltarem os olhos das órbitas.
Não sei porquê mas a idéia do vazio provocado pela ausência
dos meus olhos não me perturbou
porque logo de seguida fui invadido por uma sensação de sossego
e alívio
ao pensar que poderia bem colocar cenouras no seu lugar. Nas órbitas
portanto.
E isso descansou-me o espírito.
Talvez por ouvir desde miúdo que a cenoura tem vitamina A e faz bem aos
olhos.
Sim, talvez.
Vitamina nas órbitas. Com a autorização dos cavalos claro.
Hey, wassup Doc?
(Flávio Goulart)
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