Talvez a noite
Caiu a noite...e sobre a cidade mais nada senão o silêncio me aparta
desta extensão que aparento ser.
Sinto que alguma coisa percorre os distantes edifícios onde as palavras
aguardam uma madrugada distante que se repetirá no espaço devoluto
de cada cidade.
Sei desta aparente mansidão, talvez a soma de tudo o que foi dito ontem,
floresça no aço brilhante deste velho aparelho taciturno.
Corações devorados pela espera e madrugadas distantes, aguardando
os momentos propícios, ou uma qualquer e surpreendente redenção.
E depois sempre presente esta nudez escondida sob o lençol do medo, ou
mesmo este todo-poderoso respirar das urbes que assolam vagarosamente a alma
dos seus criadores.
Calo-me agora, pois nada mais posso dizer sobre estes escombros, sobre os destroços
de dias nefastos, repletos de obrigações e de uma diversidade
de jogos perniciosos.
Espero.
Será a espera talvez tudo o que me resta.
E se agora escrevo a palavra desolação, é sobre o asfalto
que a minha escrita tombará.
E será sempre sobre o asfalto que se escreverão as histórias
que eventualmente deslumbrariam os bibliotecários de Alexandria, pela
dimensão da sua ruína.
São pois as ruas as Bíblias contemporâneas que esperam os
ascetas as meretrizes, os anacoretas e os profetas dos dias de hoje.
Caminho pois como se imprimisse sobre as ruas, o fogo do diário de um
sinistro, ou um diário de bordo que escrevesse esse surpreendente ardor
que se consome na desesperança daqueles que neste momento iludem o sono.
(Fernando Gregório)
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