NÃO ME É POSSÍVEL...
Porque me é impossível fazer um poema sobre a barbárie
do Líbano?
Porque um poema não é um grito, mas sim um eco
E esse eco pode resultar de um peito que antes esteve em chamas
Mas que depois entendeu o incompreensível e o descreveu com serenidade
Porque a raiva é como uma tempestade, porque ela emite sinais contraditórios
Porque a raiva impede a visão das árvores ao vento, que na sua
serenidade tudo podem revelar
O fatídico e o penetrante de cada frase, a agitação da
mais rigorosa denúncia
E assim hoje, é me impossível falar das mais de vinte crianças
libanesas
Que morreram com o beneplácito da comunidade internacional
E nenhum poema me é agora praticável, porque as árvores
acusam
os lugares onde as palavras dançam enlouquecidas
E assim os sinais resultam entorpecidos pela devastação que me
atravessa
Bloqueio-me no interior da raiva de um fogo só meu,
e grito enlouquecido para todas as coordenadas da revolta
E isto que agora faço nunca poderá ser um poema, porque as bombas
que caem sobre Beirute e todo o sul do Líbano, transformaram-me num archote
Deixei assim de ser um poeta, espero-me agora nas cinzas que resultarão
dessa nefasta realidade
Como quem espera a bonança para enviar uma garrafa ao mar, contando uma
história de ignominia
Para poder dizer que ontem Zaida e as amigas brincavam com os seus ursos de
peluche e que hoje elas são só mais uns números nas páginas
dos jornais
Não, não me é possível fazer agora um poema que
descreva a insanidade de tanta violência
Porque as palavras são-me insuficientes defronte da extensão do
incêndio da minha indignação.
(Fernando Gregório)
|