A Garganta da Serpente

Eric Ponty

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Exercício para amanhecer

No fundo bate no peito um silêncio
um súbito nada para as coisas
poderia ter sido
aprofundado
testificado pelas nuvens consortes
que olham a face do
homem e seu cansaço
pelas revoluções que nunca chegaram
pelos homens que nunca melhoraram
pelo dia que nasce a milênios
seja para astecas, incas ou belgas
dos crimes de hoje e os mesmos de amanhã,
pelo Proust inútil ao homem do povo,
do Bela Bartók e seu Barba Azul
que eu e mais meia dúzia apreciaremos,
a sutileza e sagacidade de Godard
em nos fazer ver aquilo que é preciso ver,
do menino de olhar fúnebre indo à escola
faço o meu mais vero gesto amigo
das balelas que matarão o seu espírito
seu olhar terrestre da odisséia de Homero.

No fundo bate no peito um silêncio
o súbito nada para as coisas
poderia ter sido
dois pássaros paralelos fluindo no espaço
um garoto que vê o mundo refletido
no pedaço de espelho no chão e o recolhe
dando ao amigo numa desistência digna
não de covardes, mas daqueles
quer por cansaço, quer por ideais
que não podem ser negociados
ensinados na lousa, transmitidos em poema
pilhados na verve do povo que conclama
esse germe da esperança que faz esperar
aquilo que já não é mais passível
Rimbaud sabia disso quando cansado esvaiu,
talvez, o olhar de Mario Faustino ao sobrevoar
tenha sido daquele menino que fez do gesto
o olhar da Rusalka de Dvorák
que não posso mais oferecer mais que meu soluço.


(Eric Ponty)


voltar última atualização: 10/08/2007
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