CICLO FECHADO
Beijo-te manso,
Como manso
É o aproximar da morte ao justo.
Serena e sem maior susto.
Beijo esse teu corpo que traz
O frescor da brisa noturna enquanto faz
Seu passeio entre lápides, corredores
E cruzes estacadas. Pecadores.
Acaricia mausoléus enegrecidos
Guardados por anjos esquecidos,
Porém, sempre altivos,
E de olhares furtivos;
Como meu olhar de espanto,
Pelo fato de desejar-te tanto;
Qual a mulher que anseia o rebento,
Qual o sacristão em ser bento.
Contudo, não desejo que sejas minha vida,
Sê minha morte, sê minha guarida.
Enigmática enquanto que sensual;
Silenciosa enquanto que pontual.
Essa noite ao aportares em meu leito,
Crava tua adaga em meu peito,
Para que eu não fuja num adejo,
A este quase secreto desejo.
Consome minh'alma,
Sem pressa; com calma.
Qual vela tênue que à noite,
Consome com seu açoite.
Vermes malditos, parecem ter mil dentes
Esses mestres da camuflagem. Latentes.
Agora se prestam a limpar meus ossos;
Enquanto amigos e credores pesarosos,
Carpem sobre minha carcaça,
Maquiada e engravatada. Que desgraça!
Pior é sentir pingar lágrimas e jorrar mentiras,
Enquanto sou carcomido em tiras.
Por fim, quero-te sem ciúmes;
Promíscua sim, mas, cortês,
Pois, promíscua é toda morte. Do sábio ao pateta
"Porque o túmulo sempre há de entender o poeta".
(Élcio Rodrigues)
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