A Garganta da Serpente

Eduardo E.

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Tirana

Ninguém é bom o bastante
Para alcançar a sola de teus pés
O silêncio das aves não é inocente
O torpor que eu sinto
Sobe pelas pernas
Domina o coração
Enquanto a mente resiste
Mantendo-se viva
Com suas costelas de aço
Respirando insistentemente sob o concreto cinza
Todos os dias quando acordo
Fecho as cortinas para não ver
A tempestade que se forma lentamente
Sobre a camada espessa de poluição e fuligens
Nas fábricas os trapos se juntam
Aos restos de gente que vagueiam pelas ruas
Que saem dos escritórios e centrais de atendimento
O sublime congresso de fraquezas
Belas e grotescas como a vida citadina deve ser
E à noite os jovens reúnem-se
Sedentos por atenção e um pouco de música
Os pobres coitados acreditam que a felicidade
É a ausência da dor
Eles crêem que têm o poder
De produzir um barulho tal
Que suba aos céus na forma de um tremor
Que ensurdeça os anjos e corrompa
As bases de tudo o que é divino
E então um poeta se destaca
Da multidão de pesadelos
Dizendo alto para o povo
Que a Filha burguesa do Velho Mundo
Agoniza sob o brilho do glamour
Que os espíritos familiares
Ainda estão congregados no meio da avenida
Sob a chuva ácida de verão
Enquanto a Cidade Grande finge dormir
Ela que não passa de uma criança maltratada
Que esconde suas garrinhas imundas
Sob o largo blusão rasgado
A Criança gosta de cheirar cola na esquina
Até que apareça alguém
Para alugar seu corpo
Em longas noites de brilho e prazer
Para que a música nunca pare de tocar
E o inferno continue circulando nas ruas
Buscando filhos insatisfeitos e ingênuos
Que percam os sentidos antes do golpe fatal
A violência dos tempos primais
Percorre as ruas da Grande Mãe
Aquela que adota e corrompe
Que fascina e abandona
Como uma deusa caprichosa
Ou uma sereia-bruxa e má
Uma mestiça de olhos melosos
Com uma estrela parda na testa
Que vagueia nas noites ilustres
Com seu coração profanado tentando ser santa
E boa e generosa e compassiva com todos
Desde que respeitem suas leis e compreendam
Seus caprichos de megera andrógina
Ela é a Filha mimada
Da Antiga Realeza
Perdida nestas terras quentes
Ela é a Tirana.


(Eduardo E.)


voltar última atualização: 07/07/2009
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