O espelho do poeta
Eu não vivo em mim: sou reflexo
de mim mesmo,
que não sou eu.
Sou um abismo vazio,
preenchido pela incansável busca
pelo meu outro eu.
Eu não crio em mim desejos:
sou projeção deles no outro,
que são inerentes a mim.
Sou objeto indireto
de um sujeito pessoal reto:
sou sempre continuação,
sempre reflexo,
sempre o inverso
do que sou.
Complexo.
Em mim residem os devaneios
dos ardorosos e molhados ósculos,
dos fervorosos e esmagados amplexos
que os amantes, em noites delirantes,
compartilham.
A vida e a morte, em mim habitam,
das criaturas aladas que navegam
pelos mares rarefeitos do Helicão:
pois sou o reflexo daquilo
que está em uns aos outros.
Em mim ecoam-se as vozes
veladas de um poeta em remissão.
Para mim sopram as hélicas idéias
embaladas pela voz galopante de Zéfiro.
Eu sou a gota de sangue crucificada,
a absíntica fada verde alada,
aquele que do coração escapa.
Em mim morre o tédio
do poeta sem platéias.
Eu sou
o teatro sem tragédias,
a estrada sem passagem.
A imagem do espelho que projeta
o que não pode ser dito,
o que não pode ser entendido
pelas criaturas que não são capazes
de viver no mundo onírico.
Por aqueles que não me vêem
por não serem
poetas.
(Eduardo Amaro)
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