A Garganta da Serpente

Eduardo Amaro

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O espelho do poeta

Eu não vivo em mim: sou reflexo
de mim mesmo,
que não sou eu.
Sou um abismo vazio,
preenchido pela incansável busca
pelo meu outro eu.

Eu não crio em mim desejos:
sou projeção deles no outro,
que são inerentes a mim.

Sou objeto indireto
de um sujeito pessoal reto:
sou sempre continuação,
sempre reflexo,
sempre o inverso
do que sou.

Complexo.
Em mim residem os devaneios
dos ardorosos e molhados ósculos,
dos fervorosos e esmagados amplexos
que os amantes, em noites delirantes,
compartilham.

A vida e a morte, em mim habitam,
das criaturas aladas que navegam
pelos mares rarefeitos do Helicão:
pois sou o reflexo daquilo
que está em uns aos outros.

Em mim ecoam-se as vozes
veladas de um poeta em remissão.
Para mim sopram as hélicas idéias
embaladas pela voz galopante de Zéfiro.

Eu sou a gota de sangue crucificada,
a absíntica fada verde alada,
aquele que do coração escapa.

Em mim morre o tédio
do poeta sem platéias.
Eu sou
o teatro sem tragédias,
a estrada sem passagem.

A imagem do espelho que projeta
o que não pode ser dito,
o que não pode ser entendido
pelas criaturas que não são capazes
de viver no mundo onírico.

Por aqueles que não me vêem
por não serem
poetas.


(Eduardo Amaro)


voltar última atualização: 18/05/2007
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