Desespero MansoEntre laços, amarras e panos Eis meu amor retalhado! Ferido! (as mãos passeiam por um rosto enfaixado. Mal notam-se
as feições por baixo de todo aquele aparato. Nem tão competente
quanto o dos faraós e sacerdotes. Aqui, ela sabia, a necrose já
havia começado. Ela acompanhou sorrateiramente todo o trabalho dos embalsamadores.
Viu quanto tempo levaram na beberança e na pândega. Demoraram a
começar os trabalhos, o corpo já queria inchar. Os dias passavam,
a lua a quase mudar de fase... Nada de incomum, sempre faziam assim com os pobres.
Esta era sua profissão, como quase todos os de sua família. Além
disso. Conhecia os túneis secretos. Agora todos foram embora, com os
sentidos embotados de cerveja, pegajosa sobre a caixa que continha a lembrança
mais viva de seu amor. Enfim estava perto dele e chorando a triste sina dos
homens nesta Terra.)
Oh, seu corpo agora (Em toda a cidade pode-se ouvir como que um uivar de gata parindo:
contínuo, forte e delicado. Vibrante! Tanta dor não cabe no organismo,
é preciso gritar. Mais alto, mais alto, que alcancem agora seu segredo...
um rosto inalcansável está parado para sempre frente a sua face
lívida de lua.)
Amor, amor! (Que fazer da vida? Chorar até finar-se? Ela, logo ela!,
que sabe o que se passa depois da morte? Esses olhos castanhos, que aprenderam
a ler escondido, desvendando os códigos restritos, contemplam sem comiseração
própria os restos daquilo que fora seu homem uma vez. Sem esposo, sem
filhos, uma vida inteira a abrir buchos desconhecidos, e nenhuma piedade. Era
como se entornasse dentro do peito aquele líquido secante de vísceras,
ausentando as lágrimas. De vez.)
Desespero? O que quero agora é (Dunia el Hayed) |