A Garganta da Serpente

Dário Teixeira Cotrim

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CANÇÃO PARA GUANAMBI

               (estribilho)

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!

Ai! Morre a tarde num belo rosicler e a lua, em desmaio,
Parece desfalecer-se num repente onde o sol descerra.
Pois, lembro-me dos chuviscos miúdos, quando um raio,
Riscando o escuro do céu, iluminava a crosta da terra.

Mas antes de tudo, nos legou os brutos sertões danados,
A coragem, senão para morrer, afeito às glórias e lutas.
De Belarmina - uma bela flor marchetada de pecados...
De Florinda, uma flor tão linda no campo de pedras brutas!

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!

Mas eis que, na vil prepotência dos homens levianos,
Registra-se na história a lenda de uma mulher sublime!
Leocádia - a rapariga que sofreu co'os seus desenganos
No idílio que se acabou em meio de um violento crime.

Há, todavia, a memória do dilúvio, que ainda retrata,
O dia em que a represa se rompeu numa enchente,
Arrastou pra si: galhos, troncos e tanta gente inocente,
Ah, minha mãe, tu te lembras? - Foi uma cena ingrata!

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!

Ah, minha mãe, o quanto eu chorei desde quando partir...
Pairou em mim o silêncio da saudade e caí de bruços.
E nesta hora, em que tudo se cala, eu vejo um guainumbi
Que de flor em flor vem arrebentar-se em meus soluços.

A derradeira flor - perdida na inocência - ainda se debate
No esforço de permanecer alcandorada no monte Pascal.
Deus te salve, ó cidade amada, e que a arte de fazer arte
Possa ainda contemplar em ti o aceno para o ponto ideal.

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!

Outrora, ouvia-se o chiar nostálgico das 'cantadeiras',
As que transitavam, com o sol as áscuas, no adusto sertão.
Iam mansamente, à procura das vilas nas segundas-feiras.
Onde os catrumanos vendiam ali os produtos do chão.

Tu és a cidade que se modernizou - uma feliz cidade!
Hoje, menina-moça ainda uma rosa no verdor da vida.
A Bahia por ti orgulha-se - pois tudo é felicidade.
Mas, em alhures, a saudade que sinto é 'dor-dolorida!'.

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!

Silêncio, pois é tarde. Dormem nos canteiros: as flores.
E de lá, choram sozinhas, num triste dueto, as juritis.
Todavia, nas flores dos céspedes há bem mais amores,
E desses amores vivem felizes os pequeninos colibris.

Silêncio, que o entardecer matiza detrás dos montes.
Nota-se ao longe o teu perfil. Que é lindo! Que é santo!
Enquanto os sabiás entoam alegremente, nas fontes,
As lavadeiras batem roupas com o seu divino canto!

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!

E eis, no alto, as nuvens de um céu azul - tão lindo!
Na terra a caatinga que verdeja. As chuvas esparsas,
Talvez nem chegam a umedecer as negras escarpas
De onde há nascentes adormecidas e víveres fugindo.

Assim, o amor maior fica ali, soterrado com o umbigo.
Pois amo a ti, Guanambi - como se ama a própria sorte.
Um dia, na triste inocência de viver, se é certo a morte,
Eu voltarei ao meu 'campo-santo' - ao meu final abrigo.

Salve, ó terra alvissareira e bela!
Bela-flor - terra amada onde nasci.
Salve, ó terra alvissareira e bela!
Beija-flor - minha doce Guanambi!


(Dário Teixeira Cotrim)


voltar última atualização: 05/09/2006
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