A Garganta da Serpente

Daniel P.R.

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Velando Velas

frio de estar aqui
e de estar tudo fechado
quem és tu, que te escondes no amanhã?
o que, em ti, és tu?
assim como eu, escondido no próprio andar
velando as velas que sobraram no altar

frio de ver estas paredes velhas
todo este rancor flutuante te possui
te enche de tudo que é vida e morte
e a frieza do escurecer cai sobre nós

ah... o estar tudo fechado
tudo que está em minha volta está fechado
bloqueado, lacrado, tampado
trancaram-me tudo com a frieza de uma máquina
cortaram-me as pernas antes de eu tê-las

a vontade é cega
abre os olhos
velemos as velas dos nossos caixões
a vontade espera

deitada no chão frio do banheiro
a vontade espera
com nojo e desconforto... espera
e tudo pára
tu esperas
as velas, as quimeras
lá de baixo, sinto a tua queda

frio de querer voltar para onde nunca se esteve
e nunca se esteve em nenhum lugar
porque em nada se pôde entrar
fecharam tudo antes que chegássemos aqui
(eu vi)

mas a vontade espera
bêbada e cega
morta como a morte mesma
sufocada no próprio sufocar
e o frio coagula sua aparência
que desaparece em mim e em ti
... e a vida mora ao lado

mas então, quem és tu, caído no chão?
gemendo esta dor nenhuma
este politeísmo sem deuses
voz que não sai da garganta
voz que não sai
que nunca sai

é inverno na lua inteira
há gelo na nossa carne
e é gelo que nunca se torna água
sentimos um frio de esquecimento

a vontade quebra-se
e sorri do fundo do eco

(05/03/03)


(Daniel P.R.)


voltar última atualização: 07/07/2003
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