Tenho vontade de ter vontade,
mas a vontade mesma eu não chego a ter.
Sinto cansaço de ser cansado,
mas o cansaço mesmo eu não consigo ser.
Tenho culpa de ter culpa,
mas de que tenho culpa eu não consigo ver.
Tenho sonhos sobre a vida,
mas a vida mesma eu sei que não hei de ter.
(E não a hei de ter porque não a quero.
Não a hei de ter pois dela nada espero.)
Amo amando sem amar nada,
mas o amor mesmo sufoca-se na escada.
Ouço-o cair, quebrar-se, gritar;
vejo-o morrer, mas é claro: não faço nada.
Tive sono de ter sono,
mas sono mesmo, de verdade, nem sequer tive.
E quando acordei,
nem sequer tive chance de te dizer que nem sequer tive chance.
Mas é sempre assim:
tenho chances de ter chance,
mas a chance mesma eu nunca tenho.
E esta vontade de ter vontade
de um não sei o quê,
que talvez não seja nada,
me invade a alma que nem suponho ter.
(14/11/02)
(Daniel P.R.)
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