A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

A B R A O S O L H O S

Despertei mas não conseguia abrir os olhos.
Estariam grudados ?
Calma...você consegue...tente de novo.
Nada, absolutamente nada !
Vou tentar com as mãos, bem devagar.
Forcei com o indicador para cima e o polegar
para baixo.
Nada...outra vez.
Estaria sonhando ?
Belisquei-me fortemente.
Doeu.
Não estou sonhando...definitivamente não !
Vou me levantar...lavar os olhos.
Talvez com ajuda da água eu obtenha sucesso.
Preciso achar o banheiro, sei que fica à esquerda da cama.
Vou caminhar tateando as paredes assim eu chego lá.
Ao levantar, bati o joelho numa banqueta, ela vive migrando
no meu quarto, de lá para cá.
Doeu, de novo.
Apalpando as paredes do quarto derrubei um taco de beisebol,
souvenir americano que está para o brasileiro assim como o
berimbau está para o americano.
E o pesado souvenir, a exemplo de tantos outros,
nunca tinha sido usado.
Mas nessa minha aventura pelas sombras, ele caiu no meu pé.
Agora ele teve um uso.
Doeu, de novo.
Finalmente achei a porta do banheiro.
Onde estaria a maçaneta ?
Ah...aqui, entrei no dito cujo, definitivamente...de cabeça.
Nunca dei a mínima para manter o piso do banheiro bem seco.
Pisei numa área...digamos..."meio" molhada.
Escorreguei e...digamos..."inteiro" fui ao chão.
Enxuguei o úmido piso com o rosto.
Doeu, de novo.
Como um alpinista às escuras, escalei o lavatório e cheguei a
a tão desejada e difícil torneira.
Abri-la, foi muito fácil...sem acidentes, desta vez.
Ouvi o som da água correndo.
Que maravilha, lembrava uma cascata.
Nunca dei valor para isso, era apenas água correndo.
Mas agora recordava-me das quedas d'água da Mata Atlântica,
do suave perfume das folhas molhadas.
A beleza que se vê mas que as vezes não se enxerga...
aliás...pensando nisso, preciso enxergar.
Lavei profundamente os olhos.
A cada enxaguada, uma fraca luz surgia.
A água refrescante curava a minha visão.
Era um remédio da natureza, um passaporte para uma nova vida.
Aos poucos, percebia minha imagem formando-se no espelho.
Que imagem linda...consigo vê-la.
Água bendita...você me trouxe a luz.
Consigo ver...enxergar...ver a mim mesmo...ver as coisas, ver o mundo.
A luz existe.
Como é importante enxergar a vida como ela é, não como se esconde.
Abrir os olhos para o mundo, tendo-os ou não.
Abrir os olhos para dentro de si estando no mundo ou fora dele.
Abrir os olhos... abrir a alma.
Doeu, de novo.


(Dagô)


voltar última atualização: 07/08/2006
8602 visitas desde 01/07/2005
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente