A via-salva da Zinja
nunca fui da família dos mongóis
nunca ofereci serviços ao ramo chinês
nunca chamei um budista de nissei
nunca recebi jorei na seicho-no-ie
nunca soube de um Shogum incriminar um atum
nunca invadi um império para ajudar Kublai Khan
nunca acompanhei missão diplomática
após a guerra do Taleban
nunca tive vontade de cortar a barriga pela metade
nunca meditei de lanças uns mantras
mas sempre tive vocação para danças
nunca acelerei a respiração
mas misturei pó à oração
nunca esperei a tensão da mestruação
mas cortei a refeição após a revelação
nunca permaneci em silêncio
a maior parte do tempo
nunca disse oca em voz rouca
nunca roubei a roda da fortuna
nem troquei as cartas das runas
nunca ouvi o grito do jiu-jitsu
nem matei o peixe vivo
nunca fiquei confusa com Confúcio
nem comi o caroço em vez do fruto
nunca toquei num tema
que não fosse um poema
nunca cansei
mas sei que nada sei
por mais de um mês
agora, adepta oriental
sou tida como monja integral
dou sorte
por isso crivam-me de lanças
até à morte
quer saber?
minha armadura é santa
com certificado de alma branca
por isso desço do cavalo
e beijo o rei
dou-lhe uma espadada de mosteiro
e o amo de vez
e sob bens naturais de haicais
herdo a bola vermelha dos samurais
sem fazer alarde
dou-me viva por toda parte
hoje, como num suspiro
medito de maiô
e enfrento as águas benditas de Bashô
ninguém pode imaginar
o tudo e o nada que aí está
se queres saber
pela porta de entrada
fui passada:
tarô, tambor, bumbada
se servida, fui cevada:
coral, cristal, cantada
com terço e missal
benzi-me na catedral
trouxe o véu para o réu
e o céu para o mel
o coração para o são
e Sião para o chão
condecorada fui:
fritada, ensopada, guisada, dourada, assada e queimada
em dízima periódica
sou cruzada
em manta de pele
sou domada
abaixo do Equador
sou mística, sim senhor
eis meu primeiro mandamento
ser ideária do teu tempo
também mesmo que finjas
sou desde já tua Zinja
e cabe a você
me ordenar
assim, a igual
sempre será a Tao
em sumário de mesa
a tal será a mesma
que você agora receba:
Fogo, Água. Ar, Terra e Beleza.
(Cristina Guedes)
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