1968 & os Anos 60
Para Neuza Ladeira, Luiz Paulo Lyrio e Marco Aurélio Lisboa
Foi descartado porque não fora torturado.
Não no sentido do esmagamento físico.
As pessoas às vezes
são muito estúpidas nessas classificações.
Não sabem da dor moral - ou não querem saber.
Não sabem o que é ouvir
os gritos dos colegas fragmentados.Os rangidos
Temer passos que se aproximam.
Os arrastamentos.
Saber dos "suicidados".
Dos que se suicidaram.
Esperar pelos que não voltaram...
Ouvir o coração parar, explodir,
depois retomar as lentas batidas, à força.,
quando o corpo pede trégua.Ou passagem.
Encapuçados não sabem de que lado virá a pancada.
Molhados sentem os choques com maior intensidade.
Em que momento "a alma foi-se embora e não quer voltar?"
1968 .Dizemos sem falar.
Olhares, gestos,abraços.
Ou dizemos e depois, os gritos nos porões.
Os sufocamentos, afogamentos,
choques, unhas arrancadas,
socos, pancadas, telefones, paus-de-arara.
Estuprados, aleijados, inutilizados,mortos.
Protagonistas do horror.
Calabouço, porões, precipícios, maralto,
Jogados de aviões, enterrados sem identificações.
Exilados, clandestinos, sem direito a ser chamado
pelos próprios nomes ...
Uma estatueta para a dor sentida,curtida até ao desgaste,
ao sol do tempo,
implacável?
Não: estatueta para o não esquecimento.
para a História viva e inquieta,
das restemunhas convocadas,
reunida num momento de relembranças angustiantes.
Para olhar e nunca esquecer.
A Memória não pode ser enterrada em vala rasa nem a sete palmos.
Os ossos da história precisam ser identificados.
A voz já não precisa calar-se.
1968 foi um ano singular dentro dos Anos de Chumbo.
(Clevane Pessoa de Araújo Lopes)
|