A Garganta da Serpente
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Cleber H. Teixeira

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INTERCESSÃO

Se fores embora, levarás contigo o meu sorriso,
deixarás sem abrigo um coração cansado
que insiste em bater na porta do teu,
que pulsa no ritmo acelerado dos teus passos
cada vez que o teu abraço aquece o meu peito;
esse coração bobo, fraco, sem jeito
perderia a razão, a emoção, a paixão,
não entenderia a própria pulsação
se perdesse o peso de tuas palavras,
o perfume de tua pele,
talvez ele até congele por não te ter para o aquecer,
provavelmente ficaria mudo, doido,
petrificado
se soubesse que partiste
pra longe,
pra onde a poesia não te alcançaria.
Se partires, partirás em pedaços
esse membro, esse músculo,
essa pátria em que habitas
e que é dependente de ti;
se entregares esse coração ao abandono,
ele não mais será dono de nenhum contentamento,
não se encantará com a lua cheia,
não verá uma folha que passeia ao vento do outono,
qualquer sentimento perderá o sentido.

Se negares ficar e levares a minha felicidade
para o outro lado do mar,
um rio de lágrimas banhará os meus versos,
e o meu pensamento,
essa cidade de desejos e declives e descompassos,
dormirá mais cedo
e por medo do silêncio da ausência de tua respiração
permanecerá inerte
e lamentará quieto essa inquietação.
Minha mente, esse andarilho errante que cambaleia
pela estreita estrada da aconchegante aldeia
de teu corpo,
sente que pouco a pouco perderia o senso
se dissesses adeus,
e que o imenso buraco que deixarias,
certamente me engoliria sem qualquer piedade.

Se me deixares, não terei mais paz,
jamais;
pelo menos a paz que tocava meu corpo,
que me tomava no colo,
aquela que vinha pela linha do telefone
e que me dava fome de escrever,
de dizer coisas sem nexo,
se subir pelas paredes,
de caminhar pelo teto...
Se tomares esse avião,
não terei mais essa sensação de levitação
circundando meu eu, acariciando meu ego;
meus olhos ficarão cegos e minha boca seca,
minhas mãos sentirão frio
em agosto, em abril,
no inverno, no verão
e meus dias não verão mais a beleza da vida.
Sem teus dedos entre os meus cabelos
não me restariam apelos sequer,
não teriam sussurros a conter,
promessas a cumprir,
além do mais
eu jamais saberia se esperar o dia ou o anoitecer
iria fazer alguma diferença.

Se cruzares o oceano sem pedir licença,
maior desengano não conhecerá minha alma;
roubarás dela o repouso, a transparência, a calma,
até suas andanças noturnas,
já não haverá paciência, consciência,
pois se a ausência realmente acontecer,
vai morrer de triste o meu espírito,
ele não suportará esse jejum de jeito nenhum!
Se pegares esse trem de desdém e desrespeito para com minha alma
ela seguirá sem destino, sem jornada,
cumprirá penada a sua pena
e perambulará nos vales de tua falta,
no vácuo de tua despresença
sabendo que não vale a pena ser, estar, permanecer ou continuar
sem essa ligação.
Se fores,
seja por vontade, vaidade ou exercício de tua liberdade,
a saudade que irei sentir
será assim tão forte a consumir meu interior
tão inferior diante do teu...
Só me restarão ais, e por mais que eu busque
o crepúsculo, a alvorada, o blefe ou a jogada mais precisa,
não encontrarei,
bem como sei que não terei palavras para explicar,
páginas para escrever...

Se fores embora, por favor, não demora,
vai
agora.


(Cleber H. Teixeira)


voltar última atualização: 20/02/2004
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