A Garganta da Serpente

Bruno Nunes

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SEPULTAMENTO

Estou mergulhado em um coma
Fui desinfectado e assepsiado
Imune a qualquer bactéria da descompaixão
A qualquer vírus da frustração
Uma alta dose de morfina me alivia
Por isso, nenhuma punhalada parece doer
Minhas pupilas dilataram
Como a inflação de meu sofrimento
Rápido como a metástase
Deste câncer violento
Às vezes o canto da boca mexe
Quero fingir um sorriso
Quem sabe eu posso contagiar as paredes
Com minha felicidade doentia
Cujo único sintoma visível
É um choro incontrolável
Que uma vez foi interrompido
Quando senti um punhado de dedos
Tocando meu rosto pálido
Deslizaram por cima de minha barba
Que já tinha o tamanho de nove meses
Desconfiei então daquelas ásperas digitais...
Voltei a chorar quando notei que eram
Apenas meus dedos dormentes
Que já estavam bastante esverdeados
E também muito envergonhados
Tão logo viram meus olhos
Apressaram-se em se esconderem
Logo vi que todo o meu ser
Era uma vergonha
E como não tinha aonde ir
Tratei de enterrar-me naquela maca
Como se eu me enterrasse
Numa abissal sepultura
Só então adormeci...
E sonhei contigo.


(Bruno Nunes)


voltar última atualização: 30/10/2002
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