A Garganta da Serpente

Arnaldo Sisson

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Aceito a pena imposta.
Já pensei, a doer-me a razão, o motivo dessa trama
e somente aceitar que é assim porque assim é necessário
traz algum alívio. É porque é preciso ser.

É preciso que me desfaça para que me conheças.
É preciso que cante, toque, para que dances,
é preciso que fale para que ouças.
É preciso que escreva para que leias
e, assim, aqui nos encontrarmos.

Embora tua alma seja tão inútil quanto vazia,
tu, que és tão minúsculo numa trincheira
quanto empertigado em um comando,
tão incompetente elegendo
quanto no poder e governando,
tu me és insubstituivelmente útil.

Tu, tão pérfido em tuas pequenas bondades
quanto em grandes atrocidades,
tu, pequena besta, me és necessária.
Tu, surdo e triste, és meio e veículo
de uma mensagem que jamais entenderás.

A canção que te delicia e que decoras,
o texto que te maravilha e que propagas,
repetindo cada linha exatamente,
perdendo de todo o sentido, não foi escrito em tua intenção.
Poemas não são por ti,
tua voz não alcança, os teus pés cansam
e teu par não dança.

É por seres tão estúpido
que te compreendo e respeito, admiro e temo,
tua vida à toa é por demais pequena
para que te doa.


(Arnaldo Sisson)


voltar última atualização: 12/01/2004
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