O POLVO AMERICANO
"[América] vai-te lixar com a tua bomba atómica.
"Não vou escrever o meu poema enquanto não estiver perfeitamente
equilibrado.
"América não empurres eu sei o que faço".
Ginsberg
Oh como eu adorava ter vivido em Trang Bang
ver a minha filha esmagada pelo napalm-mijo fétido
dos americanos,
a minha irmã mais nova trucidada por
um canhão entre as pálpebras com
um filho "bui doi" nos braços,
mais um pagode destruído com dezenas de mulheres e crianças,
talvez o pôr-do-sol espelhado como sangue
nas águas dos arrozais de Phuc Tan em Hanói!
Na cadeia de Huntsville há condenados fiéis a Noriega
que fumam grandes charutos oferecidos por Fidel Castro via Nicarágua,
e nas ruas de Washington espalham-se todos os fins-de-semana
retratos coloridos de Gorbatchov
como num quadro de Warhol.
Muito antes, já o capitão Paul "Pappy" Gun
da U.S. Air Force
fazia acrobacias e voos rasantes com o seu B-25
sobre as ilhas filipinas rumo à Austrália
com os traidores Yamagata e Komori a bordo.
No Japão, quantos solitários abraços haverá que
contar ainda hoje
entre traiçoeiros "nisei"
e honrados mártires "hibakusha"?
Em Saigão, muitos acidentes dar-se-ão ainda
entre os velhos Volga dos generais soviéticos
e os Dodge dos vietnamitas albinos-traçados ou dos seus pais,
veteranos saudosistas regressados ao palco de guerra.
Na América, Marina, a inconsolável viúva de Lee Harvey
Oswald
-esse obscuro americano-russo-
acusa J. Edgar Hoover de ter sabido em tempos
quando iria ter o próximo período
e quando deveria enviar-lhe o próximo namorado. Cada vez mais,
ela admite que o presidente Kennedy foi morto
pela mafia do seu país quase adoptivo.
Oh como eu amo a América nostálgica do entardecer no fumo das
fábricas,
dos grandes silos de trigo nos longos campos cultivados,
essa quase inexistência de tudo,
um abraço suave, um rosto vagamente amargurado.
(Antero de Alda)
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