ESPELHO
(um soneto reflexivo)
A água é uma chama molhada.
Estamos sós com tudo aquilo que amamos.
NOVALIS
Já Anderson não sou!... À cova escura
Meu olho espreita, evadindo-se no vento
E à luz retorna, eterno fogo, meu tormento.
Desfaço-me em lâmina, dor vermelha e impura.
Ninguém distingue tal víbora sombria
Foi carvão, carne ou maresia, amada louca.
Mulher, cadela ou arpão, aguda asfixia
Um cintilar rubente, um leve pousar na boca.
Não me arrependo: nem pela má rima
Minha mísera língua esquecida em juventude
Que flores alaram-me a vida por uns instantes?
Nenhum dos deuses eu fui... foi a concretude
Apunhalando-me!... Ah! Não me amem, mutilados
Levo meus versos, lavro minha alma posta em tiras.
(Anderson Dantas)
|