A Garganta da Serpente

Ana de Sousa

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perplexidade

para que não se esgotem os contornos acesos dos lábios, bocas e dedos
entendo-me somente vago sopro do nocturno sereno
que pela madrugada estendida nos rituais da pele
segrega amenos e vertiginosos apelos,
gritos,
suicídios de palavras e acenos
e segredos, suspiros e sossegos
que encaixo no coração,
suspenso,
no equilíbrio perfeito do beijo sobre o corrimão
ou do desejo sobre a queda das correntes
que estalam quebrando as candelabros e silenciando o lume dos ventos.

hoje, só de me pensar incorro em sufoco
e não fosse a espuma oceânica que brame meus alentos
aparo de minha mão sobre o silencio,
nasceriam de meu peito relâmpagos e tamanhos tormentos...
vorazes gotas de sangue que pertencendo ao longínquo choro das planícies,
matizam os pulsos e incendeiam os sonhos, desenhando nos gumes das facas improvisadas crisálidas, ecos do lamento das sedas,
lençóis que me cobrem,
simulando linho ou pele, onde se queima meu nome
e do fel, só cinzas permanecem.

poderiam os hirtos dedos
(agora trémulos)
povoar os desertos que atravesso flutuando,
fundindo a paisagem inacessível,
quase perfeita pela paixão,
na habituação da desolação que no sucinto silêncio vislumbro.

às vezes penso trinta e uma vezes
na quantidade de vezes em que não te vi
nos meus sonhos,

nas trinta e uma vezes
em que confidenciei aos astros
o estremecer dos corpos invisíveis e inodoros,
construídos no instante de incomensurável solidão
em que recebo a primeira estação, ou a primeira glicínia.

sempre que me morrem cedo os dias,
sempre que no esquecimento do anseio
me rendo, indefesa, à insónia,
transitando pelos minúsculos pólos e pelos estames,
frágil fio de orvalho suspenso na luz
que nenhum grito detém.


(Ana de Sousa)


voltar última atualização: 08/03/2005
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