A Garganta da Serpente

Américo Elísio

pseudônimo de José Bonifácio de Andrada e Silva
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A criação da mulher

Já tinha o mundo
Jove formado,
E rei de tudo
O homem criado.

Mas solitário
Este se achava:
Brusca tristeza
O dominava.

Com mão profusa
A natureza
Em vão mostrava
Tanta beleza!

Cantavam aves,
Bulia o vento;
Tudo infundia
Contentamento.

Florido o vale
Reverdecia;
De aromas mil
0 ar se enchia.

Manhã serena
Leda brilhava;
Manto de estrelas
A noite ornava.

E todavia,
Qual duro tronco,
0 homem jazia
Sisudo e bronco.

Covas escuras,
Mata enredada,
Nelas fazia
Sua morada.

No solo eterno
Jove sentado,
Assim aos deuses
Fala pausado:

"Mortal soberbo
Como entendimento
Sondar pretende
Mistérios cento:

"Só, pensativo,
Se desalenta;
Do mundo inteiro
Nada o contenta.

"Eu distraí-lo
Quero piedoso;
Beba sua alma
Néctar gostoso."

Forma então Jove
Nova criatura;
De Vênus bela
Fiel pintura.

Esbelto talhe,
Meneio brando
Mil amorecos
Vão rebanhando.

De ouro madeixas,
Ao vento soltas,
Ameigam feras
Que andam revoltas.

Os Cupidinhos
Dos verdes olhos
Duros despedem
Setas a molhos.

Covas da face
Branca e rosada,
Vós sois das Graças
Gentil morada!

Vozes suaves,
Que as almas prendem,
De fio em fio
Dos beiços pendem.

Ah! são seus beiços
Fontes de vida!
Em neve pura
Romã partida!

As alvas tetas
De marfim puro,
Ah! são mais rijas
Que cristal duro!

Carne mimosa,
Que a vista enleva,
Onde o desejo
Em vão se ceva!

Ao vê-la o homem
Pasma, estremece!
Quer abraçá-la,
Corre, enlanguesce!

"Quem és? és deusa?
O homem lhe grita;
Ah! se pudesses
Trazer-me dita!"

Ela responde:
"Sou tua esposa:
Deixa a tristeza,
Ama-me e goza."

(in Poesias de Américo Elísio - Fonte: Brasiliana Digital USP)

Américo Elísio (José Bonifácio de Andrada e Silva)


voltar última atualização: 30/05/2017
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