A Garganta da Serpente

Aldemar Norek

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DISCURSO E ODE DO POETA WALY SALOMÃO ANTES
DE SE FECHAR A ÚLTIMA PORTA DO PARAÍSO

(recebido por este que escreve num acesso psicográfico
à lembrança imprecisa de uma noite incerta em que o poeta
bradava seus versos na praça cazuza no fim do século vinte)

eu sou o dervixe
a lua marginal
o enigma
e lanço pérolas aos poucos
devagar
com o andor q pude cavalgar
num transe

me segura
me segura
me segura qu'eu vou dar um troço
um treco
um truque
esse é o lance
eu troco porcelanas astrolábios
gengibre e madeiras do oriente
perfumes do meu canto
pelo q você quiser
eu troco
marfim e seda nobre
do meu canto
100g de canela é ouro em pó
no armarinho nobre dos meus versos
casca de noz moscada das ilhas banda
e o cravo das ilhas molucas
do meu canto
eu sou o canto da sereia
tampa os ouvidos
nobre viajante

sou o dervixe
o mercador fenício
o sábio marginal
o esteta
e desfio folha a folha destes versos
debaixo da fonte primal do chafariz da praça
sitiada
vem q tem
no meu armarinho tem
mercadoria fina
especiarias e outras
miudezas

me segura
segura aí malandro
me segura qu'eu vou dar o troco

eu sou o dervixe
o enigma
o curinga do baralho
e vou pedir licença aos deuses da Poesia
pra me sentar
ao lado da cadeira q a mim foi destinada

eu sou o cavalo
dos Orixás sem corpo da Poesia
e solto um grito na mata êá
solto coices ferradurados no ar
eu sou o caboclo
o encosto
o orixá menino mutante
sou a delicadeza e o espalhafato
eu sou o ato e a potência
e vou pavimentar o solo incerto
onde vão caminhar os novos bardos
poetas do futuro!
tudo está por dizer
escrevam as canções q eu não vou escutar:

a Poesia é a rebelião contra esse existir sem causa
a última pirueta agônica antes da morte fria

mas contra o muro de minha própria ignorância
q à minha frente se expande e esplende
eu cavo
           cavo
       & cavo.

(março/2005)


(Aldemar Norek)


voltar última atualização: 28/03/2005
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