Era um barco...
Era um barco. Agora é pássaro, e ninguém pode prever o
que será daqui a pouco; Esses segundos que passam são mágicos,
mas não espalhe por ai. É o bolo que cresce, sozinho e colorido,
a temperaturas carnavalescas, é a criança que chora baixinho,
com muita sinceridade em cada lágrima, é o sol indo dormir e mesmo
assim radiante. É quase tudo que sempre fica pra trás.
Agora é pássaro. Mas um dia foi barco, e ninguém mais se
lembra do que fora antes disso. É a vida de alguém especial em
seu anonimato e naturalidade. É a amizade que vira amor, e depois volta
a ser amizade, todo fim de tarde.
Agente aperta bem os olhos, parece até japonês, para ver o barquinho
se perder em seu caminho, e naquele momento agente sente que tudo na vida é
maior, descobrimos todas as respostas, e esquecemos; Que graça há?
O olho prende o barco mais alguns instantes, parece que num quer largar, mas
larga, devagar cede, e passa um último carinho-golpe-de-vista; Acredite
sim senhor, que quem ama a distância aprende a acariciar só usando
os olhos.
Quando esse sentimento vem, da vontade de virar azul e dormir até agosto,
da vontade de comer doce e de assistir filme. Da vontade de ficar sozinho, mas
que pelo menos sempre tenha alguém ao alcance. Da vontade de num ter
mais vontade nenhuma.
Agora já nem é mais pássaro, muito menos barco.
Agora talvez nunca tenha sido nada.
(Alan Nery)
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