Nesse ano a Companhia das Letras iniciou a republicação das obras
completas de Jorge Amado (1912-2001), sendo que os últimos livros serão
reeditados em 2012, ano da comemoração do seu centenário
de nascimento.
Jorge Amado nos deixou vasta e rica obra. São seus livros como "Tieta
do Agreste", "Terras do sem-fim", "Dona Flor e seus Dois
Maridos", "Mar Morto", "Capitães de Areia" e
"Tocaia Grande", apenas para citar alguns.
Advogado, porém sem nunca ter exercido a profissão, era "comunista
de carteirinha'. Preso e exilado em diversas oportunidades, na década
de 40 foi deputado federal pelo PCB, afastando-se da militância política
por volta de 1955. Viveu na França e na Tchecoslováquia, ocasião
em que estreitou seus laços comunistas com a Europa, em especial a União
Soviética. Seu lar, no entanto, foi a famosa casa do Rio Vermelho, Salvador,
Bahia, Brasil, comprada com a venda dos direitos de filmagem de "Gabriela,
Cravo e Canela" aos estúdios da MGM. Era lá que recebia amigos
e personalidades, entre elas Sartre e Pablo Neruda, que se tornou compadre de
Jorge Amado.
Em 1998 torna-se doutor "honoris causa" da Universidade de Sorbonne
Nouvelle e Universidade Moderna de Lisboa, sendo agraciado, ainda, com o prêmio
Camões, maior honraria para escritores de língua portuguesa. Morre
em 2001 após problemas de saúde que o acompanhavam desde a última
metade da década de 90, impulsionados por um enfarte, perda da visão
central e um edema pulmonar detectado em Paris. Com ele se foi a maior e mais
real oportunidade do Brasil receber um prêmio Nobel de Literatura. Dificilmente
a qualidade de sua obra, traduzida para o mundo todo, terá representante
de tamanha importância.
Entre as personagens criadas por ele, merece destaque Quincas Berro D'água.
A novela escrita por Jorge Amado é deliciosa e merece ser lida em um
único fôlego.
O livro narra os acontecimentos que sucedem após ser encontrado o corpo
de Quincas em uma pocilga, deitado sobre um catre, mal vestido, com o dedão
do pé escapando por um buraco na meia furada e... sorrindo, um "sorriso
cínico, imoral, de quem se divertia". Vanda, filha, Leonardo,
genro, Tio Eduardo e Tia Marocas, irmãos, ao mesmo tempo que se apresentam
enlutados davam graças pelo ocorrido. Finalmente morria a vergonha da
família.
Para os parentes o falecido deveria permanecer para sempre como o irrepreensível
cidadão Joaquim Soares da Cunha, não o famoso Quincas Berro D'água,
o "Rei dos vagabundos da Bahia", o "senador das gafieiras",
o "patriarca da zona do baixo meretrício", personagem
que se tornou após sair de casa chamando mulher e filha de "jararacas".
Vanda não entendia como um respeitado funcionário da Mesa de
Rendas Estadual podia abandonar, aos cinqüenta anos, a família,
o lar, os hábitos de toda uma vida, "para vagabundear pelas ruas,
beber em botequins baratos freqüentar o meretrício, viver sujo e
barbado, ...".
No entanto, a morte de Quincas foi sentida pelos seus pares. A notícia
se propagou e nos bares, botequins e armazéns, "imperou a tristeza
e a consumação era por conta da perda irreparável".
Afinal, "quem sabia melhor beber do que ele, jamais completamente alterado,
tanto mais lúcido e brilhante quanto mais aguardente emborcava? Capaz
como ninguém de adivinhar a marca, a procedência das pingas mais
diversas, conhecendo-lhes todas as nuanças de cor, de gosto e de perfume".
Todos que lhe queriam bem, mulheres baratas, vagabundos, malandros, marinheiros
desembarcados, derramaram lágrimas pela perda.
No velório não poderiam deixar de faltar os amigos, em especial
os inseparáveis Curió, Cabo Martim, Pé-de-Vento e Negro
Pastinha, este que o chamava de "paizinho". Já chegaram
úmidos de cachaça e se colocaram a disposição para
auxiliar a família no que fosse preciso. Aos poucos Vanda, Leonardo e
Tia Marocas foram saindo, sendo que Tio Eduardo deixou ao encargo dos amigos
de Quincas a responsabilidade de cuidarem do defunto. Nesse ponto o livro torna-se
ainda mais delicioso e hilário. Os amigos dão bebida para o morto,
trocam suas roupas (apoderando-se do terno novo, sapatos e camisa, comprados
pela família para honrar o falecido), e levam o corpo para comer moqueca.
Caminham com ele pelas ruas e lá pelas tantas, após empinarem
muita cachaça, passam a comemorar o "aniversário" do
velho amigo Quincas Berro D'água. Até Quitéria Olho Grande,
amante do "de cujus", fica surpresa ao vê-lo amparado pelos
amigos. A peixada foi servida abordo de um Saveiro, embarcação
típica do nordeste brasileiro, e durante forte temporal uma onda grande
arremessou o corpo de Quincas ao mar. Nunca mais se viu. Ficou na tempestade
"envolto num lençol de ondas e espuma, por sua própria
vontade".
O livro "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água" teve sua
primeira publicação em 1961. Relançada pela Cia. das Letras
em edição bem cuidada, acompanha posfácio, escrito por
Affonso Romano de Sant'Anna, cronologia, reprodução das páginas
iniciais do original de Jorge Amado, fotografias, ilustrações
e capa do livro em edição libanesa, americana, chinesa, finlandesa,
israelense, francesa, portuguesa, lituana e grega. Garantia de boa leitura!
A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água
Autor: Jorge Amado
Companhia das Letras
112 páginas
Ano: 2008
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