"BRASÍLIA (Reuters) - Quase meio milhão de brasileiros foram
assassinados nos últimos dez anos, (...) segundo estudo o Mapa da Violência
nos Municípios Brasileiros, divulgado na terça-feira. Entre 1996
e 2006, cerca de 465 mil pessoas foram assassinadas no país, a maioria
a tiros, de acordo com o levantamento realizado por duas ONGs e pelo governo
federal."
Acabo de ler ELITE DA TROPA. Desta vez, fiz a coisa certa. Primeiro,
assisti ao filme (Tropa de Elite) para depois ler o livro. Digo que fiz
a coisa certa porque, se fizesse o contrário, certamente não gostaria
do filme e o acharia fraco e inconsistente.
Nunca, aliás, em minha vida, assisti a um filme baseado em um livro que
fosse melhor do que o livro. E isso acontece não por incompetência
do diretor do filme, como costumam afirmar alguns críticos. Isso ocorre
porque o livro é a forma de comunicação mais perfeita inventada
pelo homem e nenhuma outra irá superá-lo em riqueza e profundidade.
Aliás, quanto mais a humanidade evolui, mais os novos meios de comunicação
e de contação de histórias inventados ou aperfeiçoados
pelo homem revelam sua finalidade e característica primordiais e confessas
que são incutir, através de uma enxurrada de informações
expressas através de frases objetivas e textos curtos, superficialidades
nas mentes do imenso exército de pessoas incautas e incultas que habita
o mundo contemporâneo.
Voltando ao caso específico do filme TROPA DE ELITE e do livro
ELITE DA TROPA, é importante dizer que, além do filme abordar
apenas de forma superficial a questão da violência urbana, ele
trata apenas de uma parte do livro. O livro Elite da Tropa divide-se em três
partes, Diário da Guerra, Dois Anos Depois: A Cidade Beija a Lona
e o Epílogo, que fecha com chave de ouro o que é revelado
nas duas primeiras partes. O filme Tropa de Elite aborda praticamente apenas
o Diário da Guerra.
Dois Anos Depois: A Cidade Beija a Lona daria outro filme, tão ou mais
interessante do que o filme do Padilha, que tanta celeuma provocou, mesmo deixando
de fora o debate mais importante, que é a força e o poder do crime
organizado, que se encontra infiltrado nos governos, nas polícias, na
justiça, enfim, em todos os lugares da nossa sociedade onde lhe interessa
estar.
Quem lê o livro ELITE DA TROPA pode até ficar pasmo, perguntando-se
como os bandidos denunciados no mesmo permitiram sua publicação.
Entretanto, se nos lembrarmos que vivemos num país de analfabetos completos
e funcionais e que o livro, infelizmente, não faz parte da vida da imensa
maioria do nosso povo, entenderemos porque tais escritos foram publicados. Já
nos últimos anos da ditadura militar, alguém chegou a dizer que
livros não se constituíam em perigo para o regime, já que
só uma minoria de intelectuais tinha acesso a eles em nosso país.
E, de lá para cá, a situação não mudou muito.
Entretanto, quem lê ELITE DA TROPA, podem ter certeza, entende
com muito mais facilidade certos fatos da história recente do nosso país.
Entende melhor, por exemplo, os distúrbios provocados recentemente por
bandidos no Rio e em São Paulo, quando a população de ambas
as cidades ficou a mercê de ataques comandados de dentro das cadeias.
Entende melhor as prováveis razões do assassinato do comandante
do policiamento da Zona Norte de São Paulo, coronel José Hermínio
Rodrigues. Entende também a jogada magistral de seus assassinos, chacinando,
numa demonstração de força e poder, no dia seguinte à
sua morte, sete pessoas no Jardim São Luiz, na região do Tremembé.
Quem lê com atenção o livro Elite da Tropa entende
com mais clareza o que quis dizer com suas declarações o bandido
Marcola, em entrevista a um repórter do jornal "O Globo":
"(...) Não há mais proletários, ou infelizes ou
explorados, há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada
na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como
um "Monstro Alien" escondido nas brechas das cidades. (...) Estamos
diante de uma espécie de "Pós-Miséria". A "Pós-Miséria"
gera uma nova cultura assassina, ajudada pelas tecnologias, satélites,
celulares, internet, armas modernas. (...) (grana) A gente hoje tem. Você
acha que quem tem quatrocentos milhões de dólares como o "Beira-Mar"
não manda? (...) Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro,
tá ligado? Nós somos uma "empresa moderna", rica. Se
funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas".
(...) Vocês são um Estado quebrado, dominado por incompetentes.
Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são
lentos e burocráticos. Nós não tememos a morte. Vocês
morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de "três
oitão". Nós estamos sempre no ataque. Vocês na defesa.
Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem
piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos
vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população
da favela por medo ou por amor. Vocês são odiados. (...) (Diante
da pergunta do repórter: "O que devemos fazer?") Vou dar um
toque, mesmo contra mim. Peguem os "Barões do Pó". Tem
deputado, tem senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai
nas paradas de cocaína e de armas (...)."
Diante desse quadro, ainda tem gente papagueando por aí o chavão
favorito dos fabricantes de armas, que diz que se armando o cidadão honesto
vai poder defender-se dos criminosos que governam este país. Durma-se
com um barulho desses...
Elite da Tropa
Autor: André Batista, Rodrigo Pimentel, Luís Eduardo Soares
Editora Objetiva
312 páginas
2006
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