A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Vivaldo Lima

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- Vivaldo Lima -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Nasci em Brasília em 23 de dezembro de 1966, sob a égide da ditadura militar, tempos conturbados em que a educação foi estropiada. De família pobre, nunca tive acesso a uma boa educação formal, de modo que não fiz curso superior e precisei correr atrás do tempo perdido para aprender o que realmente me interessava: literatura e vida. Para mim, as duas estão firmemente associadas, sendo que a primeira não existe se não for em razão da segunda. Em 1989, eu criei um fanzine chamado Legado de Aedo e o distribuía nos bares e cinemas da capital. Nele, eu publicava matérias sobre rock, literatura e quadrinhos. Em 1992, juntamente com o poeta Sandro Ornellas e Andrei Morais, lançamos o Huguy Rupi, um folhetim de poesia que, tal como a Orfeu portuguesa, só teve dois números publicados e um terceiro que foi inviabilizado por questões financeiras. Nesse tempo eu havia começado a preparar um livro de poesias que logo depois de concluído seria abandonado, pois, após muito refletir, cheguei à difícil decisão de que a poesia que escrevia, apesar de razoável, não dialogava com o nosso tempo. Já flertava com a prosa há algum tempo, então naturalmente percebi que me identificava com o gênero conto. Tenho uma novela começada e um livro chamado Todo o Sol & o Espírito Santo esperando apenas algumas revisões para buscar uma publicação. Em 1998, recebi o convite para colaborar na revista eletrônica Bras-ilha. Eu e o poeta, ensaísta e tradutor Wilton Rossi éramos responsáveis pelo caderno de literatura. Em junho de 99, a Bras-ilha acabou e nós decidimos transformar o caderno em uma revista independente e que não tratasse somente de literatura, mas de cultura em geral. O primeiro número da Verbo saiu em agosto de 99. Quando completamos um ano, assinamos um contrato de parceria com o portal Candango visitar link e mudamos o nome da revista para Verbo21 visitar link.

Como surgiu a revista VERBO? Como é a rotina de editor? Fale sobre a equipe que trabalha com você.
A Verbo surgiu de um convite do Wilton para compartilhar um espaço voltado para literatura na revista Bras-ilha, ele se concentrando em autores estrangeiros e, eu, em brasileiros. Como a receptividade foi boa e nós começamos a receber contribuições das mais variadas, o Yury, que era o editor na época, sugeriu que ficássemos responsáveis por um caderno. Nós o batizamos de Verbo. A Bras-ilha era constituída basicamente de formandos em jornalismo da Universidade de Brasília e tinha como foco a política e o comportamento urbano. O grupo era bastante heterogêneo e não coadunava das mesmas opiniões, de modo que os conflitos começaram a surgir e a revista durou pouco mais de um ano. Não satisfeitos, eu e o Wilton decidimos tornar o que era caderno em revista própria, estendendo o discurso a outros temas além da literatura. Já havia gente de fora de Brasília que escrevia para nós e achamos que seria legal envolvê-los no projeto. Criamos então colunas que falavam de meio ambiente, mundo alternativo, neobarroquismo e história, que, em razão da morte do seu autor, Onestaldo Lessa, seria substituída posteriormente por uma coluna de teatro assinada pelo dramaturgo paulista Daniel Pedro chamada Aparte, um espaço para resenhas, ensaios e críticas, a Tribuna, onde trabalhos inéditos de autores conhecidos ou não são veiculados, além de uma entrevista mensal. O passo seguinte foi nos aliarmos ao portal Candango e transformarmo-nos em Verbo21. Nossa equipe é composta em sua maioria de gente jovem, com menos de trinta anos, de diversos estados do país. Uns da Bahia, outros de São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro.

Bem, a rotina de editor é dura quando se é um pequeno editor e você precisa fazer tudo o que um grande editor paga outras pessoas para fazer. Começa desde o contato com o colaborador e escritor, a idealização visual da revista e vai até a parte mais chata que é resolver os problemas legais, tais como registros, contatos comerciais etc. E é preciso lembrar que, por questões de sobrevivência, tanto eu quanto o Wilton temos outras atividades fora da Verbo21. Eu trabalho no Ministério da Fazenda, e o Wilton é professor.
Neste tempo à frente da revista, quais os entrevistados lhe deram mais trabalho?
Foram dois: a Lygia Fagundes Telles e o Oswaldino Marques, curiosamente nenhum deles usam computador. A Lygia, pela dificuldade em conceder a entrevista. Um amigo em comum havia me fornecido o número de seu telefone, então, na maior cara de pau, numa tarde morna de domingo, eu liguei para ela e, dizendo-me seu admirador, solicitei que me respondesse a uma entrevista por escrito. Ela ainda estava concluindo o seu Invenção e Memória e reclamava da pressão de seu editor na entrega, por isso pediu-me que lhe enviasse as perguntas por carta e tivesse paciência no recebimento da resposta (risos). Fiz cinco perguntas caprichadas nas quais levantava questões como o conceito de "mulher-goiabada", a predominância dos temas rejeição e desencontro em sua obra e também sobre cinema. Passaram-se seis meses e não obtive nenhuma resposta. Daí surgiu uma nova oportunidade através de um amigo jornalista que estava indo a São Paulo e a visitaria, o Suênio. Foi ele que fez a entrevista que publicamos, conduzindo as perguntas para o último livro dela. Sinto-me meio frustrado de não saber a opinião de uma pessoa tão distinta quanto a Lygia sobre assuntos que acredito serem de grande relevância para o tempo em que vivemos, mas enfim...

Já a do Oswaldino Marques nós nem chegamos a publicar. Fizemos contato com ele por telefone e ele nos pediu para que enviássemos as perguntas. Depois de dois dias, eu o procurei para saber se ele havia recebido tudo direitinho. Tomei um susto quando ele, muito asperamente, afirmou que não responderia nada a não ser que lhe pagássemos por isto, protestando que tinha muito o que fazer e que as perguntas, tais como as fizemos, exigiriam dele maior esforço. Oras, quer dizer que se tivéssemos lhe perguntado um monte de bobagens ele responderia de bom grado e sem nos cobrar nada? Agradeci e disse-lhe que até aquele momento a revista ainda não nos possibilitava renda, engatinhávamos como certamente ele engatinhou algum dia.
O que ainda falta na Internet para torná-la ainda mais acessível?
O problema não reside propriamente na Internet, mas, sim, no viés econômico da distribuição de renda. Não há como democratizar novas tecnologias se não se democratiza o que há de mais básico para a vivência do ser humano. Quantos são os que possuem computador neste país? Um menino nascido no interior do sertão nordestino o possui? E mesmo que o possua, o que ele fará da informação que dispõe? O que informa a rede? Então, surge outro problema, pois não basta a informação ser acessível, deve-se pensar na qualidade dessa informação também.
Gosta das ferramentas de busca?
Sim e não. Se a imagem da Internet está vinculada à velocidade, a maioria das ferramentas de busca é pouco específica no que lista para seu pesquisador, gerando, com isso, uma demanda muito grande de tempo para a pesquisa. O positivo é que, no processo de seleção de pesquisa, pode-se ter gratas surpresas e encontrar novos pontos de vista até aquele momento ainda não pensados.
O que pensa do Napster? MP 3? E-BOOKS? É uma democracia ilusória?
Napster? O que é Napster? Sobre os MP 3 e E-books eu acredito que são excelentes iniciativas, pois apenas ampliam o espaço do músico ou do escritor, seu poder de atuação, principalmente se diminuem o custo final do produto que chegará às mãos do consumidor. Contudo, continuo achando que atingem ainda uma pequena margem de pessoas, muito aquém de uma real democratização. E nesse ponto o livro, em sua antiga plataforma, o papel, permanece imbatível na facilidade de disposição e transporte face ao abismo de diferenças que separa o miserável e o pobre do remediado e do rico, para não falar dos milionários e bilionários.
O que deve ter um jornalista para trabalhar na Internet?
O mesmo que deve ter um jornalista para trabalhar em outras mídias. Ele deve conhecer as ferramentas que dispõe para trabalhar, possuir uma ética e não ignorar sua responsabilidade pública.
O diploma de jornalismo é importante/necessário para trabalhar na profissão?
Não acredito. Na história da impressa brasileira há inúmeros exemplos de jornalistas oriundos de outras áreas do conhecimento humano. Diplomas nunca foram garantia de capacidade e força de trabalho, malgrado nosso apreço por títulos - e isso já dizia Lima Barreto no início do século 20.
Num dos contos que me enviou, A BUSCA, você diz: "E, acredite, meu pai, vendo o senhor preso naquela cela, senti-me mais seguro do quem em toda a minha vida." O que é a clausura?
No conto, a clausura do pai significa uma limitação que determina a segurança do filho, um desejo inconsciente que se torna manifesto a partir da idéia que o pai é o único espelho no qual o filho pode se projetar. E tem a idéia do conflito edipiano nisso tudo, uma violência contida e represada em nome da civilidade, mas que está sub-reptícia, pulsando. Então é uma clausura imaginária, apenas desejada. Fora desse contexto, o encarceramento, a clausura, quando não professada por vontade própria, configurando-se como imposição, é completamente reprovável. Nossos sistemas carcerários bem o confirmam, são desumanos. Veja-se o que aconteceu com o pobre do Oscar Wilde. A sociedade, quando aprisiona, lava as mãos de sua responsabilidade de criar o criminoso, pois é exatamente o que ela faz - criminosamente, eu diria.
Qual a principal característica da literatura brasileira no momento? Quem é o escritor brasileiro?
Olha, creio que a principal característica da literatura brasileira do momento seria escarafunchar o espaço no qual se situa na busca de respostas para quem a escreve e para quem se escreve. O que é o Brasil hoje? Como cada indivíduo se relaciona com o conceito de pátria? Longe de se fazer um trabalho com perfil ufanista, enquadrado, o escritor brasileiro deve saber que a sua voz não pode ficar agrilhoada à turba dos acomodados e coniventes. A literatura é um meio de expressão que privilegia a criação, a diferença, fosse o contrário, a arte não precisaria ganhar publicidade. De modo que, para que a palavra adquira força e sentido, e assim perdure, o escritor não pode ter pressa ao construir o seu texto. O corte deve ser profundo, impactante, se possível chegar a causar mal?estar no leitor ou o enlevo absoluto. Nós vivemos um momento econômico em que parece que as editoras, as revistas e os jornais não querem se arriscar na exposição de novos valores. Publicam-se, sobretudo, autores já consagrados, principalmente se radicados na faixa centro-sul do país. O importante passa a ser não o que se está sendo dito, mas o poder de venda que um nome abarca. Um dos poucos locais onde ainda se pode respirar um ambiente saudável e diverso é na Internet, que é um espaço restrito e que não teve seu potencial totalmente explorado. Diante de toda essa realidade, o escritor brasileiro é um herói e resistente, mais ou menos dentro dos moldes das ligas de resistência ao nazismo na Segunda Guerra Mundial, uma vez que só deseja a sua liberdade.
"E fiquei então no apartamento, no apartamento onde você ouvia Sinatra, onde lia os sonetos de Shakespeare e os contos do João Silvério Trevisan," do conto ELEGIA. O que estes artistas emprestaram deles para o seu na sua atividade literária?
De maneira direta e consciente, nada. A citação deles no texto, antes de ser uma homenagem, serve para marcar as cores e os contornos de uma das personagens do conto. Agora, de maneira indireta, o Trevisan e o Shakespeare sempre estarão presentes, seja por força de leituras ou afinidades. Já o Sinatra, apesar de eu escutar os seus discos uma vez ou outra, não é um dos meus músicos preferidos. Muito maior influência tem sobre mim um Renato Russo, Caetano, Gilberto Gil, Tom Waits, Bob Mould, Billie Holliday, Dorival Caymmi, Mahler, Beethoven, Count Basie, Miles Davies entre outros.
Em que situação escreveu o conto ELEGIA?
Eu o escrevi como resposta a uma pessoa a quem amei muito e vivia escutando-a dizer que o melhor para si era a morte. Foi o conto mais doloroso que já escrevi, que mais me consumiu. Enquanto digitava, eu coloquei para tocar uma música da Legião Urbana chamada Mariane que tem o seguinte verso:

"I've been thinking about you
I've been thinking about you
When will you return?"

E escrevia e voltava a ouvir e a escrever e a ouvir... Uma coisa meio catártica, com a personagem falando por mim e eu vivendo tudo aquilo que era a morte da pessoa mais amada. Dado momento, eu fiquei tão exaurido que tive de parar e sair para dar uma volta. Saí e fui respirar um ar noturno para me desintoxicar daquela dor. Depois de uma ou duas horas eu voltei e "reincorporei" tudo novamente até concluir o conto. Passei umas duas semanas sem lê-lo ou tocar nele, quando o fiz, vi que tinha pouquíssima coisa a mudar, permaneceu quase como na primeira versão, o que é algo raro nos meus textos.
Você é canhoto? Fale sobre o conto FAÇA COM A MÃO ESQUERDA?
Canhoto? Eu? Não, não sou (risos). O conto é uma alegoria para tratar do preconceito que cerca a diferença e da hipocrisia de muitos que, por fraqueza, aderem a discursos opressores, quando, na verdade, são iguais vestidos como diferentes.
Tem algum mote?
Sim, o verso de Whitman:

"Creio em ti, alma minha, o outro que sou não deve humilhar-se perante ti,
Nem tu deves humilhar-te perante o outro."
Qual o papel do escritor na sociedade?
É ser integro do início ao fim, não procurar adaptar-se, porém manter a sede de conhecimento do mundo. Conhecimento que o abastecerá para que divida, num volume de cem a quinhentas páginas, o que demorou toda uma vida para descobrir, respeitando seu leitor e o humanizando, como queria os mestres Antonio Cândido e Osman Lins.

(2002)

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