A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Ricardo Alfaya

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

- Ricardo Alfaya -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Meu nome completo é Ricardo Ingenito Alfaya, filho do espanhol Ricardo Ambrosio Alfaya Garcia e da mineira, descendente de italianos, Maria do Carmo Ingenito Alfaya. Sou carioca, nascido em 08.08.1953. Vivi sempre em minha cidade natal, onde me formei em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em Comunicação Social pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso. Em 1974, ingressei no quadro de carreira do Banco do Brasil S.A., no qual trabalhei até 1995, tendo-me afastado em razão de ter aderido a um Plano de Demissão Voluntária. No Banco, cheguei a exercer cargos de gerência média e atuei no DESED, Departamento de Seleção e Desenvolvimento de Pessoal, para o qual ministrei cursos na área de Relações Humanas, junto aos funcionários, e também corrigi provas de redação de concurso interno da Instituição. Paralelamente às minhas atividades no Banco, a partir do final dos anos 70 atuei como jornalista. Primeiro, no "Informativo", "house organ" da Fundação Getúlio Vargas, FGV; depois, junto ao tablóide "Perspectiva Universitária", de distribuição pública, editado pela Fundação Mudes, Fundação Movimento Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social. Minha estréia no mundo das artes se dá em 1977, com a gravação de um compacto simples contendo duas músicas de minha autoria, feita pela gravadora Continental, no Rio de Janeiro. Em 1982, lanço um livro solo de poesia discursiva, intitulado "Através da Vidraça", pela editora Poeco, atual João Scortecci, de São Paulo-SP. Daí até 1990, pouco me exponho publicamente. Porém, a partir dessa data ingresso no circuito literário impresso, passando a ter trabalhos divulgados em inúmeros periódicos e antologias. Delas, destaco os volumes III, V e VII de "Saciedade dos Poetas Vivos", de Blocos Editores, de Leila Míccolis e Urhacy Faustino, sendo que o volume V foi a primeira antologia feita no Brasil inteiramente dedicada à poesia visual, reunindo muitos de seus melhores representantes. Merece nota ainda ter sido incluído em três diferentes números da excelente "Literatura, Revista do Escritor Brasileiro", a convite do escritor Nilto Maciel, de Brasília-DF, sendo que num deles participei com o ensaio "A Metafísica na Poesia Contemporânea". Além disso, prefaciei livros para os poetas J. Cardias, Joaquim Branco, Ronaldo Cagiano, P. J. Ribeiro e Fabio Rocha; também foram divulgados estudos que escrevi a respeito da poesia de Almandrade, Greta Benitez e Elaine Pauvolid Também data do início da década de 90 minha entrada na poesia visual, na qual passei a atuar com minha esposa Amelinda Alves, tendo poemas em exposições do Brasil e do exterior, muitos deles incluídos nos catálogos das mostras. Em 1995, criei, junto com minha esposa, o Nozarte Informativo Cultural, trazido para a Internet em dezembro de 2001, rebatizado de Nozarte Informativo Impresso e Eletrônico, ora se encontrando em seu 10° número. Obtive em torno de 20 prêmios literários, dos quais destaco minha inclusão no Projeto Brasil 500 Anos de Poesia, de Leila Míccolis e Urhacy Faustino, que selecionou 300 nomes significativos da poesia brasileira, desde seu surgimento aos nossos dias. Por fim, tendo entrado para a Internet em maio de 2000, tive poemas divulgados em vários sites, sendo que reúnem maior quantidade: Blocos Online, no qual tenho site pessoal e tenho participado de várias seções, como o Papiro, Revista Amigos e outras; Jornal da Poesia, de Soares Feitosa; Suplementos PD, Perfil Sábado com Você, de Asta Vonzodas e grupo; Jornal Maringaense, de Ricardo Fíngolo; InVersos, de Andrea Augusto. Por sinal, no momento Andrea está construindo um site especialmente para abrigar o informativo Nozarte.

O que é o Nozarte? Como surgiu o nome?
A partir da década de 90, começando pelo jornal Blocos, de Leila Míccolis e Urhacy Faustino, que fornecia inúmeros endereços de escritores e de editores de publicações literárias, fui ampliando cada vez mais o círculo de correspondentes. Em 1995, chegou a tal quantidade que eu não conseguia mais responder individualmente.Desde 1993, já adquirira um computador, um "poderoso" PC 386. De modo que resolvi, em abril de 1995, em lugar de ficar respondendo um a um, dirigir-me àqueles a quem devia retorno num híbrido de publicação e carta circular.Meu cadastro já continha então umas 200 pessoas. Porém, a primeira remessa foi para 100 delas. Nascia, assim o Nozarte, cujo nome derivava de minha logomarca na poesia visual.

Ocorre que é comum os poetas visuais adotarem um ou mais símbolos e os usarem como uma espécie de logomarca, muitas vezes transformadas em carimbos. Há um sentido lúdico e crítico nisso. Selos e carimbos, desde a Antiguidade, são símbolos de autoridade e poder. No mundo contemporâneo, carimbos tornaram-se sinônimo de burocracia e logomarcas são a expressão do poderio econômico do mundo empresarial. Então, quando o poeta visual criava seu carimbo, sua logomarca, ele estava dessacralizando uma das linguagens do poder. Ele interferia numa prática e numa relação milenar, desvirtuando, subvertendo, deslocando um objeto associado ao autoritarismo e à opressão para o campo da arte, do lúdico, do poético, do gratuito.
A tiragem de 400 exemplares dá conta do público consumidor do Nozarte?
Na verdade, não. Só meu cadastro de endereços para remessa pelos correios contém em torno de 400 nomes. E o de poetas e escritores da Internet já possui umas 700 pessoas. Há várias bibliotecas, editoras, instituições culturais e de ensino a quem Nozarte poderia chegar. Entretanto, o que acontece é que os custos de impressão e tarifas de postagem são muito elevados. Desse modo, a tendência é a reduzir cada vez mais o número de destinatários pelos correios e a aumentar a distribuição pela Rede. Isso começou a ser feito já a partir do número 10. Dos 400 escolhidos, 300 foram endereços eletrônicos. Por outro lado, se a quantidade é pequena, quando pensamos na tiragem de um jornal ou revista da grande imprensa, releva considerar que ela é dirigida a um público especial, uma vez que Nozarte se comunica com formadores de opinião. Então, a qualidade do público compensa a pouca quantidade da tiragem.
Quem faz o Nozarte?
A logomarca foi uma criação minha e de Amelinda Alves, minha esposa, sendo que ela elaborou o desenho que deu origem ao carimbo. Cuido da parte de redação e seleção de textos, embora nessa última parte conte também com o auxílio dela. Ambos fazemos a revisão, mas a última revisão é feita por Amelinda, que tem uma percepção muito melhor para detalhes numa escrita. Ela me auxilia ainda na atualização de endereços, na feitura de envelopes, etiquetas.E, na versão eletrônica, contamos com o imprescindível apoio de Andrea Augusto, responsável pela lista Palavra de Anjo. Como não disponho ainda, nem sei lidar, com os programas que permitem a feitura de "pages", fiz uma combinação de recursos do Word e do editor de e-mail da AOL para obter o formato ".html". Cada etapa que fazia, remetia a ela para que avaliasse o modo de recepção.Com base no retorno que me dava, ia corrigindo os erros, descobrindo a melhor maneira de fazer. Além disso, ela está construindo um site que abrigará cada edição de Nozarte. Enquanto se acha em construção, criou um provisório, apenas para que o número 10 pudesse ser visto.Acha-se em: http://intermega.globo.com/nozarte/index.htm
Quantos nós e nos ainda faltam para que a Noz seja ainda maior do que é?
Gostaria de, gradativamente, levar Nozarte a toda pessoa da Internet que se interesse por literatura. Desejo ainda, dentro de nossas possibilidades, divulgar todo aquele que esteja realizando boa poesia ou que demonstre potencialidade para vir a fazê-lo. Manter a qualidade nos trabalhos apresentados é essencial, porém, não se deve fechar as portas para quem possui potencial e que se percebe estar seriamente comprometido com a realização de um trabalho literário. Como já nos ensinava T. S. Eliot, a literatura não é feita apenas de grandes nomes.
O site do InVersos tem um dos seus poemas mais interessantes. "O Anzol da linha/fisgou uma entrelinha" .A poesia é tão zen quanto a pescaria? Como é a pescaria poética? Como é trabalhar o poema como quem pesca, pode-se fazer este paralelo em sua poesia?
Há uma discussão muito freqüente entre poetas que tende a confrontar a importância da emoção com a da razão para a feitura de um poema. Para muitos, o ser sensível é basicamente o ser emotivo, cumprindo ao artista trabalhar intuitivamente a partir de sua emoção. Para outros, o objeto artístico deve ser fruto de uma construção do pensamento, resultado de um conceito e de um projeto. Claro que falo aqui de maneira esquemática, apenas para situar melhor o que pretendo dizer, pois o tema é complexo.

Porém, mesmo considerando o reducionismo com que a questão foi apresentada, há que se reconhecer que, em síntese, é disso que se trata: a velha oposição entre razão e emoção, discussão até hoje reinante.Porém, entre esses dois pólos existe um terceiro: o do poema como fruto de um estado de meditação. Não há dúvida de que devemos a Leminski a difusão dessa prática no Brasil, cuja origem se encontra na filosofia oriental. O poema que em geral emerge de um estado meditativo não precisa ser necessariamente um haicai. Porém é provável que não seja muito longo,ainda que o processo mental implícito de onde originou tenha durado horas ou anos. De repente, acontece. O poema citado na pergunta tem o título de "Pesca ao Acaso". Seu sentido é deliberadamente ambíguo.Tanto pode significar uma intencionalidade, isto é, o sujeito parte para um estado mental contemplativo, no qual se torna receptivo à eclosão do poema, quanto pode o poema acontecer por pura casualidade. De súbito, você "esbarra" no poema. Abre os olhos e ele está lá. O que se encontrava até então oculto na "entrelinha", se revela. Por outro lado, cumpre dizer que esse é um dos procedimentos que eventualmente adoto em poesia, mas não o único, nem o preponderante.
Uma das vertentes - ao meu ver em que melhor trabalha - é a da poesia visual. Como chegou ao poema visual? O que há de concreto no poema visual?
Mais ou menos um ano depois do lançamento de meu livro de poesia discursiva, intitulado "Através da Vidraça", de 1982, vim a conhecer os irmãos Joaquim Branco e P.J. Ribeiro, de Cataguases-MG, poetas egressos da vanguarda poética das décadas de 60 e 70. Os três éramos funcionários do Banco do Brasil. Fôramos aprovados num concurso interno e estávamos fazendo um curso que nos habilitaria a nos tornarmos professores de Relações Humanas do Banco, atuando com o conceito de liderança em dinâmica de grupo. O curso se realizava em Brasília-DF.

Joaquim e Pedro desenvolviam um estilo de escrita em verso e em prosa extremamente crítico e questionador tanto no que concerne aos valores políticos, sociais e morais da sociedade, quanto em relação ao próprio fazer literário. Trabalhavam com poesia concreta, poema processo e poesia visual. Escreviam contos e minicontos nos quais subvertiam várias das regras estabelecidas da narrativa e até mesmo da gramática. Joaquim era também crítico literário e fora encarregado por Afrânio Coutinho de escrever os verbetes relativos à poesia de vanguarda dos anos 70, na fundamental "A Literatura no Brasil", editada em seis volumes pela José Olympio Editora, em 1986, na qual Afrânio atua como crítico e coordenador.

Já tivera, por meio de livros, uma primeira aproximação com a poesia concreta e o poema processo. Não conhecia, entretanto, a poesia visual propriamente dita, que descobri a partir daquele contato.Fiquei encantado com o universo de possibilidades que se descortinava.

Acho curioso, quando vejo críticas a esses gêneros que falam em "cerebralismo", "falta de conteúdo" e "frieza". Ao longo de minha vida, poucas coisas conseguiram tocar-me tão fundo a sensibilidade e revolver-me por dentro. A sensação que eu experimentava era a de uma revelação. Desse modo, o que vim a produzir a partir de 1983/1984, mesmo quando na forma de poesia discursiva, passou a incorporar a grande transformação interna que experimentara.

Por outro lado, se já a partir dessa época comecei a desenvolver alguns esboços de poemas visuais, não me sentia ainda preparado para trazê-los a público. Em mim, sempre foi dessa maneira, os processos vão-se dando aos poucos, caminhando, amadurecendo.

Paralelamente, durante a década de 80, minha esposa foi estudar desenho e pintura, permanecendo dois anos no Liceu de Artes e Ofícios e, posteriormente, mais dois anos e meio na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.

No início da década de 90, soube então pelo Joaquim que haveria uma exposição de poesia visual, com o tema Meio Ambiente, aqui no Rio, patrocinada pela Faculdade Estácio de Sá, justamente no Metrô do Estácio. Com a ajuda de Amelinda, resolvi tirar alguns esboços que se encontravam na gaveta e transformá-los em poemas de verdade, uma vez que pelo menos três deles tinham como temática a questão do meio ambiente. Ocorre que um deles, "O Dissidente", foi selecionado para integrar o grupo de poemas que compuseram o catálogo. Um outro, "VimVerte", aconteceu em destaque num jornal do Amazonas e o mesmo "O Dissidente" caiu no agrado de Blocos, de Leila Míccolis e Urhacy Faustino, sendo publicado. Pouco antes, um, intitulado "Lua / Poema Processo", saíra no "Comunicarte", a imprescindível e resistente página de Hugo Pontes, de Poços de Caldas-MG.

A partir daí, tudo foi acontecendo. Os poemas visuais inicialmente feitos de forma artesanal, pois ainda não tínhamos computador, foram divulgados em inúmeras publicações, algumas vezes na capa de jornais e zines. Remetidos a exposições no exterior, em muitos casos foram selecionados para os catálogos. Na fase inicial, todos os trabalhos eram sempre assinados pela dupla, Ricardo Alfaya e Amelinda Alves. Desde 1993, graças ao computador, começo também a fazê-los sozinho.

Quanto ao que há de concreto no poema visual, há evidentemente uma conexão histórica. Sem a quebra da idéia de que poesia é verso e discurso, não se poderia chegar à poesia visual. O concretismo, cuja poesia é impregnada de visualidade, mas que não chega a constituir propriamente poesia visual, por não abrir mão da palavra, realiza esse passo fundamental de quebra da linearidade em poesia.
Qual o jogo? Quando um poema visual produz uma significação, ou um conjunto de significantes, que o diferenciem de uma simples placa publicitária?
Haveria vários enfoques que poderíamos adotar para responder à pergunta. Poderíamos começar lembrando a célebre distinção já estabelecida ao tempo de Aristóteles entre essência e aparência. Porém, suponho que a questão se torna de mais fácil entendimento quando recorremos à teoria das funções da linguagem, conforme a nomenclatura consagrada de Jakobson. Refrescando a memória, lembremo-nos de que elas são seis, conforme consta no "Dicionário da Comunicação", de Rabaça e Gustavo Barbosa, obra da extinta Codecri, do pessoal do Pasquim.

Temos, então, as funções:
  1. Referencial, informação apresentada de forma objetiva, discurso em 3ª pessoa;
  2. Expressiva, quando a presença do "eu" que fala é flagrante, discurso em 1ª pessoa;
  3. Conativa, centrada no receptor, em geral visando persuadi-lo a fazer alguma coisa; predominância do discurso imperativo, típico da linguagem da publicidade e propaganda;
  4. Fática, cujo objetivo é manter aquecido o contato ou manter a atenção do receptor durante um ato de comunicação; podemos incluir aí toda categoria de cumprimentos, registro de recebimento e expressões como "entende?", "o que acha?", "concorda?" e outras;
  5. Metalingüística, quando a linguagem fala de si mesma; um poema sobre o sentido de um poema, por exemplo;
  6. Poética, quando a atenção recai sobre a forma da mensagem, que se torna predominante em relação ao conteúdo da informação, passando a ter um valor em si; trata-se de uma função típica da literatura.
Portanto, a simples leitura atenta já revelará a diferença. Na linguagem publicitária predomina o discurso imperativo, ainda que disfarçado na forma de sugestão, e seu objetivo é levar o leitor, ouvinte ou espectador a uma ação, cujo principal interessado é o emissor da mensagem. "Compre", "Beba", "Faça", "Ligue já", "Vem pra cá você também", etc. São inúmeras as palavras de ordem, os gestos e olhares convidativos, as tentativas de induzir o pensamento do receptor pela identificação com personagens e situações idílicas, felizes, paradisíacas, irreais. A publicidade comercial é o local da eterna juventude, da felicidade e do bom convívio familiar, do sorriso alegre, dos dentes perfeitos, do corpo saudável e sempre em forma, da segurança financeira, da realização profissional, da satisfação sexual, da riqueza material facilmente alcançável. Por ser feita por pessoas de inegável talento e bem informadas, com evidente vocação artística, não raro a publicidade atinge a excelência em suas produções, havendo quem a defenda como forma de arte, com o que eu não concordo.

Por outro lado, se cabe a indagação "o que distingue um poema visual de um anúncio ou cartaz de publicidade?", também podemos questionar: o que distingue um "jingle" de uma música? O que distingue um verso como "Melhoral, Melhoral é melhor e não faz mal", de um verso poético? O que distingue um filme publicitário, de um filme artístico? Ora, devemos lembrar que as chamadas "funções da linguagem" raramente aparecem isoladas. O comum é o amálgama. Entretanto, haverá sempre nítida a função predominante, aquela que revelará a principal intenção da mensagem. Um poema metalingüístico será sempre, antes de tudo, um poema. Um anúncio publicitário que empregue sofisticados recursos poéticos, sonoros e visuais, continuará sendo, antes de tudo, um anúncio publicitário.

Por sua vez, de modo algum o poema visual se confunde com o anúncio publicitário. Confundi-los seria tomar uma eventual aparência pela essência. Como sucede no exercício de todo legítimo gênero artístico, o primeiro compromisso do poeta visual, assim como de qualquer outro poeta, é para com a sua arte. Ele não emprega a arte para vender isso ou aquilo, em função do interesse de terceiros. Ele produz seu objeto estético, em total estado de liberdade, no pleno exercício de seu livre-arbítrio.Se eventualmente conjuga a feitura do objeto com a "venda" de alguma idéia, de alguma mensagem, ele o fará por convicção própria, não porque lhe pagaram para fazê-lo, em função de interesses alheios. Seu procedimento, nesse ponto, não difere do de qualquer outro escritor sério.

Acresce que raramente se verá, na melhor poesia visual, o uso da linguagem conativa, salvo se empregada com ironia. Não há ordens, sejam diretas ou subliminares, na poesia visual. Há, sim, questionamentos. Muitos, posto que é um gênero de poesia eminentemente crítica, desde suas origens.
Ao contrário da promessa enganosa da felicidade fácil, da lavagem cerebral que visa domesticar as mentes, do entorpecimento relaxante dos sentidos promovido pela retórica verbal, visual e musical da publicidade, a poesia visual centra seus recursos na economia do discurso, trata a imagem como um signo e, amiúde, apresenta um objeto cuja apreensão do sentido ou da sua razão de ser, nem sempre ocorre de maneira imediata. É freqüente a sensação de "estranheza" e de enigma diante de um poema visual. Assim, como na melhor poesia escrita, a poesia visual é um convite à inteligência do leitor. Ela se dá dentro de um contexto que possui um ideário, uma história e seu compromisso tem sido libertário, no sentido mais amplo que o termo possa abranger.
Na medida com que a poesia nós invade somos invadidos. É uma mão de duas vias. Quem leu e lê? Quem lia e tá lendo? Quem gostaria de ler e ainda não leu?
Posso dizer que já li quase todos os principais autores da poesia de ontem e de hoje. No caso do Brasil, quando digo "principais" não me estou referindo apenas aos medalhões, aos consagradíssimos, mas também a todo aquele em que percebo qualidade literária e que gostaria de ver ocupando o lugar de destaque de que se fazem merecedores. Porém, é evidente que de alguns autores, pelas contingências e/ou afinidades eletivas terem sido maiores, eu li mais. Porém, não vou ceder à tentação de fazer uma lista, porque será interminável. No momento estou muito interessado em ler mais e melhor Manoel de Barros. Tenho um dos livros dele e em breve pretendo ver o que consigo na Internet e nas livrarias. Também ando pensando em conhecer melhor a poesia hispânica, motivado pelos artigos de Floriano Martins, da Revista Agulha.
Por que você afirma que "O pensamento é um protesto muito absurdo?"
O pensamento é o maior espaço de liberdade de que realmente podemos usufruir sem reservas. Por outro lado, a liberdade de pensamento precisa ser conquistada, posto que a estrutura mental-operacional que nos permite pensar, além de ser psicogeneticamente herdada, como nos mostra Piaget, sofre um constante processo de adestramento e adaptação à realidade estabelecida. Em geral, os pensamentos do homem médio se limitam ao enquadramento esquemático de toda informação que lhe chega, nos moldes de percepção e valores do chamado "senso comum". Portanto, para aquele que deseja a liberdade, faz-se mister empreender um corajoso esforço, a partir da Razão, no sentido de superar semelhantes limitações, de modo que possa "pescar a entrelinha", ou, como diria Affonso Romano, tornar-se apto a ler e interpretar, descobrir o verdadeiro sentido da realidade em que estamos imersos, o que por certo nos tornará mais aptos ao "conhece-te a ti mesmo", proposto pelos gregos.

Ocorre, entretanto, que, em muitas situações, aquele que pensa, mesmo quando se percebe amparado pela Razão, não dispõe de meios a seu alcance para fazer chegar ao homem comum a sua palavra. Sem ter como influir nos rumos da realidade, resta-lhe a certeza da convicção íntima e o protesto silencioso na intimidade do pensamento. No entanto, um "protesto" que na verdade não se expressa, ou não se pode expressar pela força das contingências, constitui em si um paradoxo. Daí advém a sensação de absurdo.
A internet mudou a sua poesia?
Já dizia Marshall McLuhan que os meios são as mensagens. O primeiro impacto já se deu logo no início. O simples fato de, na Rede, a extensão vertical de um poema escrito não fragmentá-lo (você não precisa "virar a página" do livro) já constituiu, em si, um fator que veio a ter grande influência em meu trabalho. Aqui, tenho redigido os poemas mais longos de meus 23 anos de jornada literária. Outro aspecto é o contato diário com os mais diferentes escritores, desde aqueles que ainda ensaiam seus primeiros versos, a inúmeros que estão com anos de estrada. Embora eu não seja adepto da prática de escrever a partir de um poema feito por outra pessoa, hábito que realmente me espanta na Rede, não há dúvida que esse contato permanente com a poesia alheia é estimulante. Cria um "clima" e acaba ocorrendo aquele fenômeno já apontado por poetas como Rosy Feros e Fabio Rocha, da prática diária da poesia, da poesia ocupando o lugar do diário. É raro o dia em que não escreva um poema, o que não significa também que aproveite tudo que escreva, porém, tornou-se uma prática de fato constante. Depois da Internet, o volume de minha poesia aumentou consideravelmente e não tenho dúvida de que nesse período, que vem de maio de 2000 para cá, escrevi alguns dos meus melhores trabalhos. Acresce ainda o contato com novas formas de poesia, como as animações em flash, os poemas declamados, a poesia ilustrada, as formatações, os e-books. É muita coisa. Sem falar que tenho encontrado e descoberto aqui muita gente de valor. Creio que ainda estou numa fase de absorção de tudo isso. Suponho que o "efeito" em minha obra se fará ver melhor daqui a mais algum tempo, sobretudo quando eu passar a trabalhar com programas que permitam a realização de pages e animações. Isso faz parte de meus projetos para mais adiante.
O que espera da literatura? Tem algum projeto literário?
Escrever é o que sei fazer melhor na vida. Não sou um profissional de outra área que escreve por "hobby". Exerci, tive de exercer para sobreviver, outras atividades, mas tudo que fiz quando não ligado a texto, pouco me motivou e me fez sofrer. Não tenho praticamente qualquer outro interesse sério na vida e pouco valor tem para mim aquilo que vejo tanto motivar a maioria. Diria, como Balzac, que não consigo entender que tanta graça vêem nisso e, como Pessoa, repetiria os conhecidos versos dos antigos navegadores de que "navegar é preciso; viver, não é preciso", entendendo-se aí esse "navegar" como entregar-se a uma tarefa grandiosa, incerta, que implica num certo esforço épico, heróico, que determina a renúncia do viver comum, pois ninguém chegará a grande coisa no exercício de uma arte, se nela não investir cada célula do seu ser, se não estiver inteiramente comprometido com o seu exercício. E creio que, no meu caso, não tenho outra opção. Resta-me portanto somente aprimorar-me cada vez mais e esperar que todo esse trabalho, todo esse esforço resulte numa obra que se faça digna de merecer reconhecimento.
Algum novo livro? alguma nova idéia surgindo?
Aflige-me ter material para pelo menos dois livros de poesia escrita e um de poesia visual, sem poder concretizar sua edição. Estudo, assim, a possibilidade de vir a realizar alguma forma de edição virtual, mas ainda estou considerando a respeito. E existe o site de Nozarte, que se acha em elaboração, para o qual tenho alguns projetos especiais.
Tem algum Mote?
Muitos. Até hoje cultivo o hábito de colecionar frases e pensamentos de grandes escritores. Também, procurei criá-los. De acordo com a época, com as circunstâncias, lembro-me mais de alguns deles. Nesses tempos estranhos em que eliminam a tiros pessoas que assumem uma postura crítica diante da sociedade, mais do que nunca, recordo-me desse meu poemeto, muito divulgado em jornais literários:
OLHO VIVO
Em terra de cego
Quem tem olho
Tem que tomar cuidado
Muito cuidado.
R. Alfaya
Qual o papel do escritor na sociedade?
Antes de tudo o escritor precisa sentir-se comprometido com a língua falada pelo povo que representa. Ela é seu principal instrumento de trabalho. Não significa ser um "escravo das regras gramaticais", mas sim manter uma relação de intimidade, de modo a tornar-se apto a captar-lhe o fluxo e o ritmo, para que possa expressar beleza no ato da escrita, o que certamente tornará a língua de um país mais amada pelo seu povo. É importante que o escritor, o poeta, tenha essa visão. A língua é o grande elo nacional e seu trabalho deve contribuir para que assim continue sendo.
Por outro lado, por tudo que já disse antes, pode-se concluir que, se enfatizo prioritariamente na escrita literária a busca da execução de uma peça artística de valor estético, não me chega a empolgar certo tipo de literatura que é puro beletrismo. Aprecio a arte investigativa, que procura descerrar os véus, que seja "Palavracesa", como na feliz expressão de Ronaldo Cagiano. Entendo, portanto, que cumpre ser bela, mas que faz parte dessa beleza seu sentido libertário. Ou, como diria, Alfayeus: "O que é Belo e Bom, é duas vezes Belo".

(2002)

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente