A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Paulo Cesar Andrade

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- Paulo Cesar Andrade -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Qual a influência tem do surrealismo?
Tenho grande simpatia pelo surrealismo. Tomo o termo aqui não só como movimento do início do século, portanto, atualmente cristalizado nos livros de História da Arte. O conceito de surrealismo deve ser entendido aqui como um estado de espírito, uma reação permanente contra o cotidiano ralo e vazio. Uma prática em que a realidade é fecundada pela imaginação, pela subversão de e através de versos, pelo sonho promovendo a emancipação do ser humano, por meio da desrepressão em níveis profundos.

Em relação à minha poesia, não vejo nenhuma influência direta do surrealismo francês, "clássico". Ao contrário, pelas minhas afinidades eletivas posso dizer que pertenço a uma linhagem de poetas construtivos, que pensa a linguagem escrita mais como artefato.
"alquimia do verbo/corrosão da sintaxe/subversão de versos/fratura e sutura de textos." São pecados ou estilos?
São "pecados" que os bons poetas cometem e devem ser sempre cometidos porque são eles que geram novos significados.
A imagética dos versos "esculturas de fumaças nos ares/indefinidas. desérticas." é uma constante em sua produção literária. Uma imagem vale mais do que mil palavras?
Várias pessoas já comentaram comigo esse traço imagético e escultórico dos meus poemas. Tenho forte relação com as artes plásticas (mais até do que com o cinema ou fotografia). Interesso-me pelas cores e suas possibilidades de criar variadas formas e texturas. Gostava muito de pintar na adolescência. E, às vezes escrevo um poema como se estivesse pintando uma tela.
Com quantas metáforas faz um poema?
Num poema, por maior que seja, existe apenas uma metáfora, ou, um poema por melhor que ele seja, diz apenas uma única coisa.
A poesia brasileira, feita hoje, é de boa qualidade?
Sou um leitor interessado pela produção poética dos meus contemporâneos. E, apesar de tantas críticas, gosto muito da poesia dos anos 80-90 e faço parte dela. Mas, não há como negar que alguns poetas, no afã de mostrar domínio técnico, estão chegando a um grau de requinte e intelectualização tal que a poesia começou a ficar estéril. Não basta apenas demonstrar técnica, é preciso ser, sobretudo, poeta.
Você acredita em inspiração ou transpiração?
Acredito que a princípio há um insight, motivado pelos mais diversos eventos, seja pelo cotidiano, leituras, memória, questionamentos, reflexões, enfim. Trata-se de uma massa amorfa. Um animal selvagem que temos que domá-lo, e aí, meu caro, é preciso transpiração. Não podemos perder de vista que os poemas mais "instantâneos", como os dos poetas marginais, ou os mais desregrados ou as técnicas de "escrita automática", utilizadas pelos surrealistas, são construções de linguagem. Não é possível negar que é difícil operar com o instrumental da linguagem escrita, da mesma forma que não é fácil dominar realmente técnicas de pintura, escultura ou um instrumento musical.
Como utiliza a internet?
Não sou um internauta. Utilizo a internet de forma muito prática: receber e enviar e-mails, quando visito um site é para buscar algo que já sei que vou encontrar, dali clico em outros links, navego para outros sites, mas enfim, ainda utilizo a internet para pesquisar.
Qual a importância de submeter textos à análise crítica de outros poetas e gente especializada?
Esse diálogo é fundamental para quem pretende ser bom poeta. O olhar felino (às vezes ferino) do crítico nos fornece informações preciosas, que sozinhos, na torre de marfim, não conseguiremos visualizar. Não era à toa que os nossos modernistas da primeira geração faziam leituras em saraus, discutiam e se correspondiam tanto, assim com escritores, críticos, os poetas franceses do início do século se reuniam nos cafés para ler, trocar e discutir seus poemas. Sempre passo meus poemas para os amigos lerem. Gosto de ver o distanciamento crítico do outro. Ademais é um exercício de humildade que nos proporciona novas aprendizagens.
Tem algum mote?
O acaso é que me impulsiona.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Diria que a função do escritor, é provocar a desautomatização da consciência, para ressuscitar um termo dos formalistas russos, num mundo em que as coisas tornaram-se imperceptíveis em sua totalidade. Através e pela linguagem o escritor ainda renova nossas percepções do mundo cotidiano.

(2002)

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