A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Mauro Veras Ferreira

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- Mauro Veras Ferreira -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Mauro Veras Ferreira nasceu em outubro de 1958, na cidade do Rio de Janeiro. Jornalista e professor, participou de diversos projetos universitários de crítica literária na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, assim como de vários grupos de estudos literários, com destaque para a poesia. Entre eles destacam-se o CINPO Círculo de Investigação Poética e, como fundador, do Palavra Palavra Grupo de Estudos Literários, estudos estes que desaguaram na revista literária Range Rede, até hoje editada pelo grupo.
Trabalha atualmente com elaboração de mídia impressa e virtual, produção de jornais e revistas empresariais e com assessoria para marketing político e cultural. Apesar do vasto número de artigos e crônicas publicados na imprensa alternativa, "Gerúndio a matéria e o processo" é seu primeiro livro de poemas. Nele o poeta fala da "poesia de sempre", como um cristal bruto a ser lapidado pelo co-autor (leitor) através da releitura poética.
Resenhas críticas sobre "Gerúndio" já foram publicadas de norte a sul do país, em suplementos literários da chamada "imprensa oficial" ou em jornais alternativos. Vários poetas, críticos ou escritores consagrados já teceram comentários sobre seu livro, entre eles João Alexandre Barbosa, Augusto de Campos, Carlito Azevedo, Nelson Ascher, Domício Proença Filho e Antônio Carlos Secchin.


Tudo está gerundiando, criando processos no seu livro Gerúndio - a matéria e o processo e no poema homônimo? Tudo ora é e ora não é o seu oposto?
O poema Gerúndio faz parte do capítulo introdutório do livro, denominado de "Pré-fato", onde está acompanhado de outro poema, dividido em quatro partes que se sobrepõem, Quadratura, e que dedico a Octavio Paz. Neste capítulo, pretendo apresentar ao leitor a minha concepção, pelo menos naquele instante criador, do que seria o objeto criado para a sua apreciação: um livro de poemas que, conforme imagino, é um cristal ainda em estado bruto a ser lapidado pela leitura, pelo processo da recriação através da nova leitura. Assim como o modo verbal em questão, entendo a poesia como uma atitude presente, um ato principiado e em movimento constante rumo a um futuro em perspectiva, e que só se realizará plenamente com a releitura do seu texto, quando, enfim, a poesia acontece. Já sobre a superposição de fatos, ela é marca de uma sociedade em dúvida com relação a seus valores, dividida entre amor e sexo, sonho e frustração, capital e trabalho, realidade e virtualidade (a ponto de cristalizar a terminologia 'realidade virtual'), modernização exacerbada de alguns seguimentos e miséria absoluta de outros e etc. - situações humanas típicas neste vertiginoso final de século, o que não chega a ser, entretanto, novidade. Esse fenômeno, numa outra escala, foi reiterado como ainda vivo nas artes brasileiras mais recentes pelo Tropicalismo e, depois, na poesia pela dita geração marginal. O Realismo aprofundou essa discussão antes mesmo do modernismo brasileiro e, parece, ela ainda se mantém viva. São questões sempre latentes na convivência entre os homens, principalmente num país com as características do Brasil, e, portanto, a literatura acaba retratando e, por vezes, comentando esses fatos.
Qual é a importância de Octavio Paz para a sua poesia?
A noção de poesia espacial e suas diversas possibilidades, magistralmente realizada no Brasil pelos concretistas, ficou mais clara para mim, depois do contato, mais que a leitura, com o poema Blanco, de Octavio Paz, ainda na primeira versão editada pela Casa Editorial Joaquín Mortiz. Aquela caixa bonita e esmerada continha mais do que um poema organizado de maneira vertical, numa página única e sanfonada, para que a poesia fosse sendo depreendida e desprendida num movimento único. Era, antes de qualquer coisa, a consolidação da informação, que eu já supunha ter, de que a poesia seria mais que o poema que a detém ou que os versos esteticamente trabalhados e organizados no papel. A gama inexorável de sentimentos que a permeiam, por vezes, encontram ecos, e mesmo se realizam, fora do objeto-poema, ou ainda no branco do papel - essa deliciosa metáfora esteticista. No poema Quadratura, que citei anteriormente, a última parte apresenta os versos: "INVESTIGO O / espaço-imagem... / oco do papel... / que nunca existiu... / OBJETO REPLETO NO TEMPO / em seus materiais. / no anverso: o processo / NO POEMA / A minha Condição Humana". Mallarmé me ensinou que poesia é feita com palavras, e Paz me fez ver que as palavras podem não conter tudo, apesar de ser um mestre em sua utilização. Há, também, outras influências marcantes no meu trabalho, como cito fartamente no livro. Um dos capítulos, inclusive, denominado Matéria Conjugada, faz referência explícita à leitura de e sobre outros poetas, o que é uma das marcas da "suposta geração" de poetas contemporâneos.
A tecelagem do equilíbrio deve ser o paradigma do poema pós-moderno?
Uma das possíveis lições da poesia contemporânea é de que não deve haver modelo ou fórmula para a criação, a não ser aquela fórmula que, segundo o próprio Octavio Paz, deixa de existir no instante mesmo de sua utilização. Por exemplo, o modelo procurado por mim no instante da escritura do poema "Arquitextura", referido por você na pergunta, foi decisivamente o cabralino, e, nem por isso, há cópia de seus textos ou coisas do gênero que certifiquem uma fórmula idêntica e comum entre os dois processos literários. Mesmo porque minha poesia engatinha e seria procurar o abismo tentar copiar o grande poeta que foi e será sempre João Cabral. Há outros paradigmas referenciais, como já disse anteriormente, em todo o meu trabalho; espero sim é que haja, também, aromas novidadeiros que interessem ao leitor. Vivemos um momento múltiplo e variado da existência humana, com farta e veloz comunicação universal, com aprofundamento do conhecimento científico e humano e, logicamente, a arte vai, ou pelo menos deveria, acompanhar esta diversidade.
"Não há partidas/nem chegadas/Há séculos parados/esperando o trem". O que deve acontecer para termos pelo menos a vontade da busca? O dever do devir?
Uma resposta completa sobre o tema foge à minha competência de jornalista ou poeta; talvez um sociólogo - bate três vezes na madeira (risos) - possa falar melhor sobre o assunto. O que posso dizer, fruto exclusivo da minha observação de mundo, é que as relações humanas mudaram muito rapidamente no final deste século. A tecnologia, principalmente a ligada ao computador, abriu algumas portas para uma interação maior no campo da comunicação individual; porém, o que as pessoas têm descoberto são as suas solidões conjuntas, via Internet. Vários podem ser os motivos, desde a insegurança da vida atual até a frustração resultante de algumas falências ideológicas. Outro fator talvez seja a centralização dos mais importantes meios de produção nas mãos de determinados grupos. Há hoje uma espécie de máfia para cada setor produtivo, que controla e estabelece o que vai ser consumido pela grande maioria, fenômeno que se estende, inclusive, ao chamado "mercado da arte". O deslocamento radical da importância de antigas tarefas humanas, para outros pólos mais contemporâneos, gerou uma certa crise de posturas. O homem do nosso tempo está à mercê da condução dos detentores dos novos meios gerais de produção e da maneira como eles desenvolvem todo esse processo. O avanço democrático que, sem a menor dúvida, foi conquistado nas últimas décadas se tornou inócuo diante do fato de que o controle dos bens de consumo continua nas mesmas mãos escassas de sensibilidade ou vontade para distribui-los, o que coloca também em conflito o conceito pleno de democracia. Quanto à geração de movimentos de transformação deste estado de coisas, temos uma nova concepção bem contemporânea para alienação, em seu sentido mais perverso, como prova de sua estagnação. As resistências existem, mas optam por deslocarem-se para fora deste círculo - estão aí os inúmeros trabalhos independentes, com relação à produção artística, e a chamada economia informal, inclusive com o resgate secular dos processos de trocas de serviços, há muito sepultados pelo desenvolvimento monetário, pela força da moeda, do dinheiro; e, portanto, ainda vai demorar para percebermos melhor os sinais significativos de uma interferência mais aguda nos clássicos métodos de relação humana, a não ser que haja um cataclismo ou algo parecido! O fator sociológico embutido na pergunta acabou fazendo com que eu comentasse a minha motivação central para a criação do poema Estação Femina, citado por você. Espero, sinceramente, que na sua releitura, o leitor/autor não encontre nada disso (risos), e sim aquilo que foi buscar no texto poético, o desvendamento de suas próprias motivações. Se isso ocorrer, a poesia estará se realizando.
"A jóia caída do trono de Deus / ou do esforço do poeta". Aonde mora/começa/(ig)nicia o jogo poético? A poesia é Talento (José Paulo Paes) ou Trabalho (João Cabral de Melo Neto)?
A poesia sempre será talento... e trabalho! Não consigo fazer uma distinção muito clara sobre a fronteira entre esses dois elementos. Como as demais manifestações artísticas, a poesia resulta de um processo, que pode se inicializar em qualquer lugar, inclusive dentro do poeta. O conceito de inspiração é amplo: ela, inspiração, pode advir de uma suposta força divina ou, simplesmente, incorporar-se ao ser criador, motivando-o, sendo "inspirada" por ele de algum momento significativo da sua existência. Há, ainda, outros conceitos, e a isso tudo se mescla o uso da técnica literária, da construção estética do poema, que será mais ou menos depurado conforme os conhecimentos das estruturas lingüísticas que seu autor controlar. É, antes de tudo, um processo muito subjetivo para ser rotulado ou generalizado. Já escrevi vários textos depois de uma forte emoção, portanto, depois de uma motivação externa, e outros tantos atendendo a encomendas, na grande maioria das vezes feitas por mim mesmo. Penso que é extremamente arriscada a afirmativa de que este ou aquele poeta é menos ou mais inspirado que outro que tenha na busca de uma roupagem estética mais esmerada a sustentação de seu trabalho.
O leitor é o verdadeiro autor de um poema?
Um livro fechado, numa estante ou numa mesa, tem importância relativa. A poesia só se realiza plenamente quando é lida ou percebida por alguém. Sob este aspecto, o leitor, ente catalizador momentâneo daquela mensagem, seguindo regras específicas e pessoais de conhecimento de mundo, bagagem estética e cultural, etc., vai construir, ou não, a partir do contato amplo com o poema, a poesia que por ventura nele estiver contida. Esta decodificação significativamente subjetiva vai conferir ao processo ares de reconstrução semântica e, por extensão, ao seu leitor o "status" de autor ou recriador, como prefiro classificar. Obviamente, esta afirmativa desconsidera questões práticas como direitos ou vaidades autorais, e atém-se, somente, ao aspecto criativo resultante da relação do homem com o artefato poético.
No poema Colheita, "qual / quer / coisa / merece / poesia/ mas a poesia / não merece qual / quer coisa", tudo contém a poesia?
Contém tudo ou nada a poesia, e esta ambigüidade faz parte do processo. O que a poesia não merece é a interrogação de qual é o seu valor; o que ela pode fazer pela sociedade, ou, ainda, qual poesia é melhor ou pior. É óbvio que a condição cultural do leitor vai direcionar a sua apreciação e, vez por outra, classificar suas preferências, mas a poesia, por sua essência, deve ser acessível e para todos os níveis, pois a humanidade é composta por esta diversidade natural e social. O que não se pode negar à poesia é seu caráter amplo, fundamentado em sua interrelação com o público - aqui, no sentido do que é de todos. A perda desta referência - e precisar o momento em que isso se deu mais claramente é bastante complicado - pode ter sido fundamental para uma certa elitização (não gosto de usar este termo, mas vá lá!) do processo de criação, tornando os textos mais fechados em si mesmos, e, conseqüentemente, ocasionando o afastamento do leitor "menos preparado". Há razões mercadológicas e econômicas neste contexto, e tantas outras questões sócio-políticas. O momento reformista dos processos tecnológicos de produção, impulsionado nas décadas de 60/70 e chegando agora ao seu auge, se dá, inclusive, nas artes. Penso também que um certo desgaste dos temas clássicos, como grandes conquistas territoriais, os ideais puristas, o amor platônico, a morte inexorável e o abatimento dos ideais revolucionários, etc., fez o poeta buscar mais outros elementos ou materiais, coisas/objetos que detonem o seu processo criativo. E isso não é nenhum absurdo! Qualquer coisa, dependendo do momento existencial do observador, pode comovê-lo ou emociná-lo; e isso é fabuloso, pois um homem sem emoção jamais saberá, com clareza, o que se passa ao seu redor! Tem que se ter emoção quando descrevemos um tratado revolucionário, um panfleto político, ou quando retratamos a beleza das formas de uma jarra ou pintura. A poesia transluz pelos parques, ruas e cômodos das cidades e dos campos - em todos os materiais possíveis - e cabe ao artista discutir, adornar, reformar ou manter a realidade viva através da sua emoção criadora, mola propulsora da arte.
Há ecos dos poetas malditos dos anos 60 em alguns poemas. Até que ponto concorda com os críticos que vão contra o uso de trocadilhos no poema?
Há poucos dias conversava com um poeta amigo meu, Luiz Roberto Gomes, sobre o momento da crítica literária no Brasil. Partindo da premissa que vivemos numa sociedade de massas e que, portanto, ela deveria estar bem informada sobre a produção literária, o que existe hoje, infelizmente, é quase uma catástrofe em termos de crítica. É perigosa esta afirmação, principalmente quando você é um poeta estreante, como eu (risos), mas é a realidade que aí está. A enorme maioria dos cadernos literários dos grandes jornais, por exemplo, tem seus editoriais submetidos aos projetos de marketing das editoras que pagam pela publicidade que os mantêm, e há críticos de reconhecida competência intelectual que dobram seus joelhos a este fato. É como colocar o carro na frente dos bois, ou seja: pela força e competência do marketing aplicado, alguns livros já nascem sucesso de vendas, antes mesmo da realização do fenômeno literário junto ao público. Há também aqueles que só divulgam os trabalhos que fazem parte do seu círculo literário ou das correntes de criação com as quais se identificam, e, neste caso específico, existe um problema conjuntural que se desenvolve ainda dentro da vida universitária, que é a opção pela especialização profissional. Com a finalidade de garantir espaço no mercado, alguns "intelectuais" passam a vida estudando e se especializando em uma única corrente literária, quando não em um único autor, para engrossar de maneira mais fácil e rápida seu currículo de títulos. Este fato, certamente, sectariza e prejudica sua avaliação crítica global, já que, para a maioria dos editores, vale mais o dossiê, mesmo que uníssono, de especializações e doutorados do suposto crítico, o que é uma bela justificativa para sua contratação. Há, logicamente, críticos muito competentes em atividade, como Wilson Martins, João Alexandre Barbosa, Nelson Ascher e outros poucos. Arrisco afirmar que está se produzindo melhor crítica literária, pelo menos mais ampla, nos veículos alternativos e especializados, que nos cursos de pós-graduação universitária ou na dita grande imprensa.
Qual a importância do concretismo na poesia brasileira? Qual legado deixaram?
Literatura deve ser, acredito, impressão e expressão! E os concretos exploraram as diversas dimensões deste binômio, dentro e fora do texto. De certa forma, trouxeram tempo/espaço/ritmo/sonoridade para dentro da poesia, dentro do objeto poema, estabelecendo discussões estéticas férteis e então inusitadas, que se desenvolvem até hoje; estão aí os poetas atuais que, vez por outra, confirmam o fato. Naquele momento, jogando por terra uma gama considerável de tabus literários, eles tiveram a ousadia de apontar para possibilidades de um suposto "novo fazer literário" - ousadia pela qual ainda pagam a uma parte da crítica! Os rótulos de sectários, elitistas e doutrinários, impostos por alguns críticos que valorizam a poesia clássica e tradicional, confirmam a influência daquele trabalho sobre as novas gerações, além de deixar clara a importância dos concretos como introdutores de um fazer poético no mínimo inquietante e renovador, dividindo as águas literárias, para alguns, em antes e depois do concretismo. Além de tudo isso, cunharam uma obra repleta de traduções, ou transcriações, fundamentais para a nossa compreensão da literatura universal. Augusto, Haroldo, Décio, entre outros, são uma espécie de pedra fundamental da poesia contemporânea. Penso, entretanto, que há uma diferença considerável entre influência e imitação. Imitá-los seria negar a essência propedêutica de seu trabalho inovador e arrojado.
Presente em A agrura e o poema, a linguagem da computação vai invadir o poema?
Não se pode afirmar, pelo menos agora, a proporção em que isso se dará, mas, como toda função humana, o computador estará presente na poesia, seja como tema, seja como a ferramenta produtora de textos altamente funcional que é! Quanto à utilização de uma linguagem específica da computação na totalidade do poema, acho complicado; fundamentalmente porque ela não foi elaborada para desempenhar essa função, quero crer! Pode-se até tentar desenvolver uma espécie de "nova vanguarda" na poesia, baseada na experimentação de seu uso, porém a essência e o conteúdo tecnicistas destas terminologias vão determinar a primazia de textos e relatos mais científicos. Isso exigiria uma compreensão primordial do leitor sobre seus significados, o que produziria uma relação técnico-cintentífica e carente de emoções basicamente humanas, sensoriais, que são, a meu ver, o cerne da (re)criação poética. No poema citado por você, a referida linguagem está ponteando alguns procedimentos para uma possível leitura, tentando dar dicas ao leitor, cumprindo, assim, sua função referencial de instrumento tecnológico a serviço da informação poética. O jogo com a linguagem, pelo menos da forma como eu imaginei, se dá de outras maneiras, com cortes repentinos e a abertura para diferentes ambigüidades, mas sem ferir a linguagem poética clássica e estrutural das palavras cotidianas e para todos, que são responsáveis pela mensagem/proposta do texto! E é a luta para manter esse equilíbrio entre a transmissão da mensagem poética e renovação estética, apoiada nas vivências da contemporaneidade que geram a agrura proposta pelo título do poema.
Como utiliza a internet?
De maneira moderada. Visito sites de literatura, museus, artes em geral e pesquisas para o meu trabalho com jornalismo; assim como para divulgar esse trabalho. Bem cedo desisti das tradicionais, principalmente para iniciantes, salas de bate-papos, onde é raro encontrar um papo mais específico e interessante. Talvez o mais importante sejam os e-mails que, sem a menor dúvida, ampliaram as possibilidades de comunicação à distância, e aí, desta forma, utilizo bastante esse serviço.
No poema Coma o prazer é algo entre o alívio e o desespero. Deve ser sempre assim?
Depende das pessoas envolvidas na relação amorosa! Naquele momento, o prazer para mim foi algo entre a loucura de uma paixão arrebatadora e a satisfação pela descoberta de um grande amor. Coma foi feito para a mulher da minha vida.
Carregar as origens é ser eterno? ou ser eterno não importa? As cicatrizes são eternas?
Depois do avanço da psicanálise e da cirurgia plástica, em nenhuma dessas dimensões, as cicatrizes devem ser necessariamente eternas (risos)! Que sejam eternos os prazeres, apesar de as dores e as decepções profundas marcarem, quase sempre, de maneira perene. No poema ...em extinção, por exemplo, o encontro do tão desejado amor completo é a possibilidade de redenção que se apresenta para o "eu poético", em sua luta tão inglória quanto inabalável pela superação das vicissitudes da existência e do próprio tempo. São, justamente, o enfrentamento dos conflitos e a superação das vaidades e das contradições humanas, quando se está amando, que dão a agradável sensação de que podemos estar integrados ao princípio básico da vida, a uma harmonia possível e capaz de superar quaisquer dificuldades. Estar em harmonia plena com a pessoa amada faz com que os dramas existenciais se aplaquem e que viver seja uma luta situada fora do "ser", mas que, de tão intensa e prazerosa, pode vencer a vida e a morte. Sob este aspecto, amar é ser eterno, e aqui me refiro às várias dimensões amorosas.
Quando a eufonia deve entrar como recurso no poema?
Assim como qualquer outro recurso estilístico, deve ser utilizado quando o autor julgar pertinente, dentro do universo do poema. Sem dúvida, quando a utilização dos recursos casam diretamente com a proposta textual a obra ganha muito em interesse para o leitor mais atento.
A metalinguagem é o futuro do poema?
Eu diria que ela é passado próximo e presente, mais que futuro. Quanto a continuar ponteando os temas poéticos, vai depender do rumo que tomarem as artes e a sociedade; se a poesia vai voltar a priorizar ou não o que eu considero ser o seu epicentro, que é falar das emoções dos homens e suas relações com as coisas e fatos, mais do que se auto-referencializar. Não digo que poemas só se façam desta forma, já que eu mesmo utilizo muito a metalinguagem! É mais um recurso temático que, talvez, com a maturidade do autor, com a descoberta de que poesia não tem uma definição técnica satisfatória, tenda a diminuir de seus escritos. Quanto ao futuro do poema, é mais seguro esperar para ver, pois no mundo contemporâneo, intensamente sujeito a mutações de hábitos e costumes, é muito arriscado vaticinar sobre qualquer assunto.
Tem alguma epígrafe?
Considero várias, sem ter nenhuma específica. Servem apenas como referências/indicadores de comportamentos possíveis. Talvez eu tenha, apesar de ser bastante cedo para isso - pelo menos eu espero (risos) - um epitáfio: "Enfim, como todo poeta, parou de pensar o mundo!"
Qual o papel do escritor na sociedade?
O escritor deve, a meu ver, comunicar sua compreensão de mundo a quem tiver olhos e ouvidos sensíveis. Agora, o papel vai depender da caneta, da máquina ou da impressora que ele estiver utilizando (risos)! Olha, tornando a falar sério, muito obrigado pela oportunidade para divulgar o meu livro, e parabéns pelo trabalho importante que você têm feito pela difusão da arte poética contemporânea. Mais uma vez, muito obrigado!

(2002)

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