A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Marcelino Freire

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

- Marcelino Freire -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Marcelino Freire nasceu em Sertânia, Pernambuco, no ano de 1967. Vive em São Paulo desde 1991. Escreveu "AcRústico" (contos, 1995, edição do autor), "eraOdito" (aforismos, 1998, edição do autor / 2002, Ateliê Editorial) e "Angu de Sangue" (contos, 2000, Ateliê Editorial). Faz parte da antologia "Geração 90 - Manuscritos de Computador", organizada por Nelson de Oliveira, que reúne "Os melhores contistas surgidos na última década do século XX" (2001, Boitempo Editorial). Este ano, inaugurou o selo "eraOdito editOra" com a Coleção 5 Minutinhos, idealizada por ele, reunindo trabalhos curtos e inéditos, de distribuição gratuita, de autores como Glauco Mattoso, João Gilberto Noll, Manoel de Barros, Moacyr Scliar e Valêncio Xavier. É, ao lado de Nelson de Oliveira e J. R. Duran, editor da revista "PS:SP", a ser lançada no começo de 2003. Prepara, também para o próximo ano, o seu livro de contos "BaléRalé". É um dos colaboradores da revista pernambucana Continente Multicultural. Tem contos e ensaios publicados nos principais jornais do país e também em Portugal e no México.

Como surgiu a idéia da coleção 30 segundos?
A Coleção se chama Coleção 5 Minutinhos, homem. Bem, vamos lá, iniciar do começo. Eu tenho umas frases, uns "microcontos" que eu coleciono em um cadernão chamado "Quarto da Bagaceira". Queria desová-los de lá. Resolvi fazer um livrinho, de 8 por 6 cm, chamado "30 segundos", onde eu colocaria 30 desses microcontos, para serem lidos no intervalo da novela. Exemplos: "Enforcado na corda bamba", "A vulva da vovó ficou viúva", "Ao pobre o horário nobre", "De dentro do ovo para dentro da gaiola", enfim. Daria esse livrinho para os amigos, parentes, serpentes et cetera e tal. Comentei o troço com o escritor, amigo meu, o Nelson de Oliveira, que achou graça e rapidamente fez um romance em 30 "minicapítulos". Aí pensei:vou convidar mais 8 autores. Seremos em 10. Cada um com 30 segundos, dá 5 Minutinhos. A Coleção estava pronta. Convidei para ela os poetas e escritores que conheço e admiro. Eles toparam de cara. A Coleção foi feita para ser distribuída gratuitamente, em lugares onde as pessoas estão esperando aqueles famosos 5 Minutinhos. Estava feita e armada a provocação. Para nossa diversão e diversão de quem recebe os "30 segundos" nas ruas, filas, consultórios, salões de beleza. Na verdade, coisa assim surgiu na minha cabeça porque não paro o rabo na cadeira. Nem o olho na geladeira. Enquanto a ficção na vem, fico aprontando outras inquietações. Gosto disso, entende?
Você se considera um poeta visual ou poeta concreto?
Nem uma coisa nem outra. Não me considero poeta. Aliás, não acho que o meu livro "eraOdito" seja um livro de poesia. Se ele é chamado um livro de poesia, então ele é um livro de poesia ruim, entende? O "eraOdito" é um livro de frases, de coisas transformadas. Feito para diversão. Feito, idem, para reflexão. Mas não tem a densidade da poesia, entende? É livro lúdico, só para jogar um pouco de merda na filosofia. Uma brincadeira gostosa. Sei que ali tem umas "iluminações" (seria isso?), algo parecido com poesia, mas pra mim não é poesia. Essa despretensão é que faz o barato do livro. Ele não quis ser poesia. Quis ser piada. E, embora pareça poema concreto, não é. Nunca li muitos os concretos. Costumo dizer que a coisa é mais MacConcreta. O Macintosh me ajudou a descobrir um monte de coisas. O computador é co-autor do livro. Sem contar, é claro, o estupendo trabalho gráfico de Silvana Zandomeni, a minha companheira neste e em vários
outros projetos. Maravilhosa Silvana!!!
Com quantas metáforas se faz um poema?
Não sei. Mais fácil responder com quantos paus se faz uma canoa furada. Não sei mesmo. Não é charme. Não sei. Tenho preguiça de pensar nisso. Também não costumo escrever poema. Tenho medo de poema. Vou improvisar uma coisa, assim, agora, em cima do poema: "Põe, ema, um ovo". Pronto, tá feito. Coisa ruim, não é, essa metáfora fora de hora?
Para que serve a poesia?
De novo não sei. De novo me bate a preguiça. A poesia não serve, sei lá. Não tem serventia definida. A poesia deve ser grande por isso. Porque não pensa em servir para nada. Não sei mesmo. Para que serve essa pergunta? Para isso, não é? Para me tirar do lugar? Fico deprimido, sério. Quem deve saber para que serve a poesia é quem lê a poesia. Olha, pergunta para o leitor desta entrevista. Para que serve a porra da poesia, hein? Para que serve a porra da poesia?
Qual Drummond dentre os Drummonds você mais admira? Por que?
Pergunta difícil de novo. Puta que pariu!!! Olha, gosto muito da palavra do Drummond. Daquilo coloquial. Ritmo sem mistério. Aquilo que vai e pronto. Gosto do Drummond da Rosa do Povo. Do Claro Enigma. Gosto do Drummond recitando os poemas. Aquela voz miúda. Gosto do José no Drummond, é isso. Zé no Drummond é o que mais gosto.
Interferir em frases alheias é um recurso pós-moderno?
Olha, esse "recurso", ou algo que o valha, não foi inventado agora. Todo mundo sempre meteu o nariz onde não foi cheirado. Foi o que eu fiz. Gosto de tirar as frases do lugar. Minha prosa é assim idem. Minhas palavras estão sempre onde não estão. Gosto de cuspir coisas para todo lado. Tirar o chão das coisas. Detesto o comportado. Para mim, escritor tem de esculhambar tudo. Desconstruir, entende? Ir no caroço das palavras e tirar uma casquinha. Gosto deste jogo. Não se engane com as minhas frases. O que você vê não é o que você vê. Gosto de desfocar. No meu livro de contos, "Angu de Sangue", a palavra dança também. Vai e volta e reviravolta. O "ANGU" dentro do "sANGUe", reparou? Sou vidrado nisso. Adoro fazer isso. "Toda palavra lavra, toda palavra colhe", diz Jobalo, um grande amigo meu. Meu grande inspirador nessas coisas. Jobalo é artista plástico. Jobalo é quem me deu esse cheiro para o olhar. Jobalo foi quem fez as ilustrações do meu livro "Angu de Sangue". Ele vive em Milão, agora. Mas a gente tá sempre trocando uns parafusos juntos.
Por que escreve?
Sempre digo e redigo: o médico medica, a clínica clinica, a sinfônica sinfonica e o escritor escreve. Escrevo porque escrevo. Porque gosto deste exercício. De ficar preenchendo um espaço no papel. Fazendo meu maracatu. Escrevo porque é o melhor que posso fazer. Deixar uns ciscos por aí. Escrevo porque este é o meu maior prazer. Não preciso pagar para escrever, entende? Todas as outras coisas eu preciso pagar para fazer. Sexo, inclusive. Escrever é livre. É barato total.
É angustiado por alguma influência literária? Quais são suas influências literárias?
Sou angustiado quando as pessoas acham que escritor só tem influência de escritor. Que porra é essa? Escritor é influenciado pela vida, entende? Viver é o melhor. Agora, acho sacanagem dizer que só Guimarães Rosa influencia. E Severino, o porteiro do meu prédio, como fica? Fico angustiado de ficar enumerando influências. Tudo me influencia. Não sou tapado, não sou burro. Tudo nos contamina. TV, cinema, pipoca, refrigerante. Peido influencia. Graciliano Ramos, Clarice, novela das oito. Biscoito, propaganda. Tudo vai se intestinando. Tudo.
Tem alguma epígrafe?
O silêncio. Já falei demais, entende? Agora, só o descanso. Mas olhe, tenho um desejo para depois da morte, isso eu tenho. Quero virar nome de beco em Pernambuco. Qualquer beco.
O mais fedido beco da minha cidade. Não é invenção de personagem-escritor, não. Falo sério. Quero o meu nome escrito em um beco. O beco mais vagabundo. Cheirado a mijo.
Ficaria orgulhoso disso. Pode crer. E repito: isso não é artifício de resposta, não. É a minha mais pura vontade.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Essa pergunta tem a mesma resposta de uma outra, anterior. Aquela coisa de médico medicar, clinicar, clinicar. O papel do escritor é escrever e pronto. Tenho dificuldades, repito, para raciocinar sobre isso. Posso dizer, como já disse em uma outra entrevista minha, que o papel do escritor é higiênico. Higiênico. É isso. O papel do escritor é higiênico. E pronto.

(2002)

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente