Entrevista com:
- Lau Siqueira -
Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão para o Balacobaco
LAU(reado) pela Inspiração: Lau Siqueira
CURRICULUM
sem nexo
perplexo
circunspecto
apenas faço
ligeiros
reparos
no intelecto
Nasci em Jaguarão, fronteira leste do Rio Grande do Sul, no dia 21
de março de 1957. Faço poesia desde os treze anos de idade, influenciado
que fui, inicialmente por um autor infanto-juvenil chamado Sérgio Antônio
Raupp. Em 1985, apaixonado por uma pernambucana, vim morar na Paraíba,
onde tenho duas filhas, Mariana e Mayra. Descasei ano passado, mas, já
tinha descoberto há mais tempo que paixão é uma coisa e
casamento é outra. Minhas primeiras publicações aconteceram
nas colunas literárias do Jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, isso
foi lá por 1975 mais ou menos. Fiz muito folheto mimeografado, viajei
por aí, de carona, levando a minha poesia. Desde 1978, tenho uma militância
política que iniciou-se no PCB e depois fui para o PT. Atualmente não
tenho nem quero outro partido, além do meu coração. Voto
em Lula porque acredito que é possível construir uma sociedade
mais humana. Votarei contra ele se um dia chegar à presidência
e não corresponder às expectativas do povo. Publico em diversos
suplementos, revistas e jornais de poesia de várias partes do país.
Por exemplo, O CApital, de Aracaju-SE; A Cigarra, de Santo André-SP;
Telescópio, de Araçatuba-SP, Revista Blocos (RJ), Garatuja, de
Bento Gonçalves, RS; Correio do Sul, de Varginha-MG (coluna do Zanoto)
e muitos outros. Minha poesia também pode ser encontrada na internet,
no site do Soares Feitosa (Jornal de Poesia), do Claudio Alex e da Tânia
Regina (Mar de Poesia Diária), da Aninha Pozza (Castelo dos Sonhos) e
outros, e outros... Tenho poemas em algumas antologias, como a "Mário
Quintana 1985, publicada pelo Instituto Estadual do Livro do RS, Antologia da
Poesia Paraibana Contemporânea, publicada pela Idéia Editora e
pelo Sebo Cultural, mais recentemente, tive dois poemas incluídos na
Antologia Mar de Poesia, publicado pela Editora MPD, SP. Em 1993, publiquei
"O Comício das Veias", poemas meus e contos de Joana Belarmino.
Em 1998, lancei "O Guardador de Sorrisos", meu primeiro livro individual,
pela Editora Trema. Todos já esgotados (graças à Deus).
Este livro recebeu o prêmio "Dom Quixote", do Jornal O Capital,
de Aracaju. Ano passado esse prêmio foi para Leila Míccolis. Tenho
alguma participação também como letrista, com parceiras
registradas em três CDs de festivais de música. Dois deles aqui
da Paraíba e um de Maringá, PR. Em outubro começa a ser
gravado o CD do grupo Tocaia, a nova sensação da Música
Paraibana, com 4 letras minhas. Se cabe no meu currículo, eu digo: Adoro
Vivaldi. Tá bom, o resto é muito miúdo, aliás, mais
do que isso aí de cima.
Qual a importância de Sérgio Castro Pinto na sua obra?
Sérgio Castro Pinto é um dos nomes mais importantes da poesia
brasileira contemporânea. Um cara que já foi elogiado até
por Drummond dispensa apresentações. Aqui na Paraíba,
integrou o Grupo Sanhauá, uma "guerrilha estética"
que esteve em sintonia com os movimentos de vanguarda dos anos 60, como a
poesia praxis, por exemplo. Sérgio é importante e influencia
a obra de qualquer poeta de bom senso. É um mestre. Eu penso que a
influência, ou melhor, a fusão das influências de todos
os bons poetas é sempre bem vinda. Ajuda na construção
(ou desconstrução) da identidade do poeta que é, na verdade,
a sua capacidade de construir seus próprios caminhos nas constantes
descobertas que nos proporcionam os mergulhos na linguagem poética.
Fernando Pessoa dizia que "toda arte é literatura porque toda
arte é dizer alguma coisa". Ezra Pound dizia que "poesia
não é literatura". Esses conceitos, também têm
uma influência enorme, não só na minha poesia, mas nas
minhas mais diversas formas de manifestação. Penso que Mário
Quintana, meu conterrâneo, foi outro poeta importante na minha vida.
Mas, eu bebo em todas as águas. Mui especialmente nas águas
barrentas das Vanguardas. Portanto, além de Castro Pinto, me "alimento"
de grandes poetas, grandes artistas como o uruguaio Clemente Padin, o mineiro
Hugo Pontes, o nosso saudoso Samaral, Chacal, Leila Míccolis, Cacaso
o nicaraguense Rubén Dario, Luiz Rabelo, Décio Pignatari, "The
Campos Brother", Arnaldo Antunes, Vivaldi, Bach, Antônio Cícero,
Leminski, Neruda, Maiakowski, Mário de Andrade, Antônio Mariano
Lima, André Ricarodo Aguiar, Águia Mendes, Augusto dos Anjos
(esses 4, também paraibanos), ih, rapaz... são tantos... Bob
Dylan, John Lennon, Ruy Espinheira Filho, Chico Doido de Caicó... porra,
todos cara! Eu leio muita poesia, sempre.
A revista Poesia Sempre escolheu os 20 maiores poetas brasileiros no momento.
Quem faltou? Quem está lá e não merece?
Eu penso que sempre se comete injustiças quando tenta escolher os
melhores. Pelo menos, uma grande injustiça com os piores (risos). Porque
a escolha se pauta sempre pelos padrões estéticos e até
políticos (no sentido de percepção da vida e da poesia)
de cada um, ou de grupos. No ano passado, se não me engano, foi lançada
no Brasil e nos Estados Unidos uma antologia bilíngüe, "Nothing
te sun could not explain - 20 contemporary brazilians poets", organizada
pelo Regis Bonvicino e Nelson Ascher. Eu não entendi porque eles deixaram
de fora nomes como Manoel de Barros, Ruy Espinheira Filho e Hilda Hilst (para
não citar outros). Que critérios eles utilizaram para a escolha
dos que eles achava os 20 mais representativos, eu não sei, já
que eles próprios incluíram seus nomes entre esses 20 (aliás,
o Regis e o Ascher são ótimos poetas). Não sei como é
que se faz para escolher os melhores. Isso não é concurso de
beleza, cara, onde se mede peito, quadril, bunda... Seguramente temos muito
mais do que vinte bons poetas no Brasil. Ao escolher vinte, estaremos excluindo
no mínimo outros 40 ou 100 com o mesmo cacife. Isso de julgar e, pior,
julgar o julgamento alheio, não é a minha praia. Eu escrevo
poemas, apenas. Não mergulho nessas águas. Infelizmente não
conheço esta revista. Gostaria muito de conhecê-la e saber quem
são os vinte que eles consideram melhores. Se faltou alguém?
Ora, faltou eu!!! (risos).
O Correio das Artes publica muita poesia. Qual a sua importância para
a poesia paraibana?
O Correio das Artes é, provavelmente, o mais antigo suplemento literário
em circulação no Brasil. Penso que ele não é importante
apenas para a poesia paraibana, mas, brasileira de um modo geral já
que em suas páginas você pode encontrar poetas de outras estado,
como Claudio Feldman, por exemplo. é um espaço de resistência.
Ultimamente temos tido a sorte de contar com bons poetas... mais que isso,
com pessoas dignas que eu admiro bastante, como Sérgio Castro Pinto
e, atualmente, Cláudio Limeira.
A poesia paraibana tem cara própria. Qual é?
Eu acho que não. A poesia é universal demais para ter uma
cara definida.Talvez a poesia do nosso tempo tenha uma determinada cara e
eu não sei qual é porque a observo com os meus quatrocentos
mil olhos. Temos bons poetas por aqui... talvez predomine a metalinguagem,
mas, não sei se posso, neste sentido, afirmar que isto seja "uma
cara", porque todo mundo tá fazendo isso também por aí
afora.
Como é seu processo de construção do poema?
Eu procuro a poesia em todos os meus atos. Então, geralmente, quando
vou escrever, o poema já sai pronto porque ele ficou sendo burilado
na minha mente, no estômago... no saco... Eu sinto uma necessidade biológica
de escrever e viver poesia. Escrevo quase que diariamente um poema. Logicamente
que escrevo muita coisa impublicável (aliás, penso que muito
do que eu já publiquei é impublicável). Portanto, eu
não tenho um método porque sou uma pessoa absolutamente inconstante,
avessa à regras. Não fico me cobrando poemas. eles chegam naturalmente.
Dependo da Lua, talvez.
Em certo sentido pode-se afirmar que você é minimalista?
Sim, mas somente em certo sentido. Como eu disse antes, gosto de beber em
todas as fontes, portanto acabo expelindo o resultado desta anarquia estética.
Aliás, eu penso que o minimalismo é uma das tendências
da nova poesia brasileira. não vou negar, eu curto isso pra caramba.
E sei que é o "cocô de cabrito" ao qual se refere Alexei
Bueno.
Quantos padrões estéticos deve ter o poeta?
Todos e nenhum. Eu penso que é necessário até, conhecermos
esses padrões para negá-los ou segui-los. No meu caso, pisoteá-los
tantas vezes quantas penso que é necessário. Poesia é
subversão, cara! A gente sempre acaba subvertendo a linguagem e a vida.
Nem todo poema rigorosamente metrificado é de boa qualidade e nem todo
poema visual, nem todo poema processo... Não quero com isso fazer a
apologia do verso livre porque penso que tudo é muito relativo, menos
a idéia de que tudo é relativo que é, digamos, absoluta
(risos). Gosto quando Umberto Eco diz que qualquer obra de arte exige uma
resposta livre e inventiva. Poesia é busca. conheci Mário Quintana
aos 80 anos e ele me disse que estava buscando, aprendendo... aquilo mefascinou.
Imagine eu com 41, que certeza tenho de tudo isso? Nenhuma, lógico!
como é que eu posso me algemar nesses padrões?
O que é poesia?
Se eu soubesse o que é poesia, não era poeta, mas, professor
do Departamento de Letras (risos). Fico com a definição de Quintana
"poesia se resume na procura da poesia, assim como Deus se resume na
procura de Deus".
O que a poesia tem de lúdico?
Tudo e nada. Depende de cada poeta ou até mesmo da leitura que se
faz, não só da poesia, mas de qualquer obra de arte. A poesia
não tem obrigações. A poesia apenas é.
O poeta Alexei Bueno disse ao Balacobaco: "O normal da nossa poesia
atual é a poesia cocô de cabrito, sequinha, apertadinha e idêntica."
Concorda ou discorda, por que?
Olha, eu respeito o Alexei, mas acho isso meio deselegante. Faltou ele dizer
que "o cocô" dele é o máximo porque não
é de cabrito. Um tempo desses ele foi criticado, pelo Nelson Ascher
se não me engano, exatamente pela falta de concisão. Foi criticado
por não fazer "cocô de cabrito", mas, "cocô
de vaca". Aquela coisa esparramada (risos). No mínimo ele está
sendo injusto, estreito, sectário... Não concordo porque acho
que a gente tem que ser mais aberto. Ora, eu adoro os haikais da Alice Ruiz
e "Salomão", um poema épico do Soares Feitosa. Eu
até gosto de pensar que a minha poesia possa também ser cocô
de cabrito. Tão bonitinho visualmente! As vezes as pessoas dão
uma importância excessiva para a crítica porque lêem a
crítica com os olhos da vaidade apenas, e não das idéias
que sempre acabam se fundindo ou confundindo aqui e acolá. Nesse caso,
eu acho que não se deve confundir crítica com grosseria. Como
dizia o grande poeta Honório K. Brito, "toda generalização
é burra" (risos)
A polêmica é necessária? A poesia tem pouco espaço
na mídia?
Não é que seja necessária. As vezes é apenas
inevitável porque acabamos não resistindo às barbaridades
que são ditas e escritas em nome de uma verdade absoluta regada por
padrões estéticos, existenciais ou políticos aparentemente
imutáveis. Quanto ao espaço na mídia, eu penso que é
um defeito da mídia não publicar poesia e ao mesmo tempo publicar
tanto lixo. Não uma carência ou uma necessidade dos poetas. Quem
faz jornalismo cultural no Brasil, com raríssimas exceções,
não tem capacidade investigativa. Prefere se acomodar e repetir repetir
repetir e até polemizar sobre o que pensam que dá ibope, o que
já está na mídia. Os poetas têm muitas alternativas,
entretanto. Existe hoje a internet, uma mídia que pode ser bastante
democrática. Existe também um número razoável
de boas publicações de poesia circulando por aí, como
A Cigarra, Telescópio, Blocos, Garatuja, Duas Águas, Dimensão...
com até 100% de espaço dedicado à poesia. A grande mídia
perde com isso porque está deixando passar ao largo e não está
cumprindo o seu papel, já que não publica quase nada nessa área.
A grande mídia, esse Big Brother de mil faces, é comprometida
com os barões sem rosto que dominam a política e a economia
e eles não querem que mude porra nenhuma. Para eles poesia não
é um bem de consumo, de primeira necessidade. Querem continuar dando
alfafa ao povo. Ratinho, Chitãozinho e Chororó, etc. Por isso,
todo poeta acaba sendo marginal mesmo. Não há como. Imagine
Hebe Camargo entrevistando Hilda Hilst!
Como lida com a internet?
Não mais tenho computador pessoal, cara. Por isso ando meio limitado
à responder e-mails de amigos e da família. Estou respondendo
esta tua entrevista aqui do meu trabalho, na correria. Isso, logicamente,
influencia mas não justifica o resultado porque, na essência,
você e os leitores do Balacobaco podem ter uma idéia da essência
do meu pensamento.
Tem algum poema que funcione como um "mote". Algum epígrafe
que o acompanha pela vida?
Não. Eu leio sempre muita poesia. Leio tudo. Até bula. Recebo
livros de pessoas que nem conheço e leio até mesmo os que nem
são assim tão bons. Essa insistência me levou a conhecer
poetas excepcionais, como os bahianos Ruy Espinheira Filho, Antônio
Brasileiro... estou em constante busca. não me permito esses limites
de ter apenas um poema como "mote" ou alguma epígrafe...
No livro "O Comício das Veias" eu usei como epígrafe
uns versos de Maiakowski: "nós polimos a alma com a lixa do verso".
Qual o papel do poeta na sociedade?
Ainda bem que você me perguntou qual o papel do poeta e não
da poesia, porque eu acho que aí eu não saberia responder, talvez.
Acho que o papel do poeta é o papel de qualquer cidadão. A gente
participa e é responsável por tudo que está aí.
Infelizmente alguns poetas se acham acima do bem e do mal e, como produto
desta alienação vergonhosa, até condenam qualquer poema
com temática social. Logicamente que não se deve estabelecer
regras para a criação poética, nem se impor dicções
líricas. Não tenho dúvidas sobre os muros que estratificam
o nosso mundo. Os poetas, assim como todas as pessoas, ou estão de
um lado ou estão do outro. Alguns preferem ficar comodamente em cima
desse muro. Ou estão alienados ou estão lutando, como eu e como
tantos poetas enão poetas, contra as exclusões sociais, se indignando
contra as injustiças e lutando contra isso que transforma uma país
como o Brasil, numa cloaca cultural, social, política... Acho que o
fato de ser poeta, massagista da seleçào de volley feminina,
jogador de futebol, crítico, jornalista não nos exclui do direito
e até do dever de opinar porque opinamos sempre. Mesmo quando calados.
A engrenagem social nos impõe que cada gesto seja um sim ou um não.
Eu, por exemplo, tenho a minha posição muito clara apesar de
não ser partidária. Estou do lado das pessoas que lutam por
igualdade e liberdade de uma forma universal e em qualquer canto do mundo.