A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Jairo B. Pereira

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- Jairo B. Pereira -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Jairo B. Pereira, advogado, poeta e pintor, mora em Quedas do Iguaçu-PR, onde adora o Rio Iguaçu. Ali vive com a mulher e três filhos. Possui a "Fazenda Poema", onde cria bois e ovelhas. Tem seis cavalos de lida e cavalgada. Editou os seguintes livros: "O artista de quatro mãos" - contos; "O antilugar da poesia" - manifesto poético; "Signo de minha prática" - poesia; "Meus dias de trabalho" - poesia e "O abduzido" -romance/ensaio. Está com um novo livro de poesia em fase de edição chamado "Capimiã", uma invasão poética em acampamento sem-terra. Mais dois livros inéditos de poesia, onde desenvolveu com mais rigor suas teorias estéticas e melhor cristalizou sua linguagem poética, sendo "Incóbrios" e "No cesto trançado da fala". Escreveu uma peça poética chamada "Ayaiaculerêdurymdié" diálogo imaginário entre James Joyce e João Guimarães Rosa, em pleno sertão de Minas Gerais, alguma paisagem de o "Grande Sertão: veredas". Peça essa a ser levada ao palco e filmada em vídeo digital. Foi premiado em vários concursos de literatura. Em 1982 ganhou o prêmio da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado do Paraná, com a peça infantil "Lamparinas". Tem artigos editados na revista eletrônica "A arte da palavra" e em outros sites de literatura. Está em fase de conclusão do livro de ensaios protonathurais "Espiritopéia, o livro". Publicou poemas e artigos em diversas revistas. Escreveu ensaios sobre poesia, filosofia, semiótica e outros, além de aprofundar estudos na sua teoria estética caseira da composição. Concedeu entrevista ao "Barnaleko" - jonral de cultura & informação de Curitiba, revista eletrônica "A casa de arabella", Jornal Gazeta do Povo e outros.

Qual influência tem da prosa de Joyce?
A influência que tenho de Joyce é a influência da desconstrução/reconstrução do signo, uma visão: a visão do paradigma revolucionário da prosa, a radicalidade do ato criador, as sobreposições arbitrárias de palavras, os sentidos trânsfugos... A despreocupação de se fazer entendido (o receptor num terceiro plano) em favor da arte de escrever. Falando de planos, valores, o primeiro é o da obra em si, sua totalidade de acordo com o espírito do autor; em segundo plano o autor, como o primeiro destinatário (o primeiro leitor) aquele que dever ficar fascinado, convencido com a sua própria criação. Em terceiro plano, o receptor-anônimo-o leitor-o crítico-o destinatário desconhecido, que o tempo se encarregará de trazer ao conhecimento da obra.
Como é ser um escritor de ficção científica no Brasil?
No meu livro "O abduzido" fiz minha primeira incursão na ficção científica, embora apenas em passagens da obra. Ser um escritor de ficção científica no Brasil é ser um escritor de supra-realidades, como o é em qualquer país do mundo. O grande mérito de um escritor de ficção científica é o mérito da projeção pelos signos do seu dote imaginativo. Há escritores medíocres que escrevem somente com palavras e há escritores geniais de ficção científica que escrevem acima de tudo com a imaginação. Esse tipo de literatura ainda está em ser no Brasil, em vista de que o que sempre nos tocou mais a fundo é a realidade imediata do nosso mundo (o país) sempre em crise, desemprego, violência, corrupção... ( Provável razão porque o conto e o romance de linha realista se multiplicaram no Brasil).

De outra forma, toda literatura de ficção científica nasce de um comportamento de grupo (paixão) por determinados fenômenos físicos & espaciais. Está, portanto, no inconsciente coletivo esse gosto pelo desconhecido, e se realiza pelo entusiasmo de certos autores na descrição, projeção criativa, tendo como objetos aqueles fenômenos estudados e apreendidos pelos sentidos.
Muitas vezes você faz uma fusão da prosa com a poesia sem passar pela prosa-poética. O que deseja comunicar quando dentro de sua prosa surge um poema?
Acho que isso ocorre em face da minha vocação poética. Por mais que trabalhe com a prosa, não consigo livrar-me do poético. Outro detalhe é que na prosa de "O abduzido" espelho-me em mim mesmo para revelar Hermes Lucas Perê (meu alter ego), complexo, confuso, trânsfugo nas ações. O autor nesse tipo de prosa, neobarraca com laivos existenciais, sempre é o personagem mais consistente, porque é da sua vida, do seu empório/empírico, vamos dizer assim, que emanam as imagens mais fortes. O homem diante dos objetos. A vida. A vida. Primeiro, a realidade ontológica que existe independente do nosso espírito que conhece, depois o sadio acidente dos sentidos, o mergulho no pântano do desconhecido, onde as linguagens içam pouco a pouco significação. Em verdade, não está na prosa ou no poema (poesia) o "fenômeno", vamos dizer assim do "poético". O poético está no espírito do autor, e sua manifestação ocorre de forma repentina para alguns escritores onde quer que os mesmos impõe seu dizer. Até mesmo em entrevistas, se vêem coisas altamente poéticas, nascidas como água de fonte, com extrema nathuralidade. Se o o autor não possuir esse poético in spiritus que digo aqui, não haverá em sua prosa as infiltrações de nathureza poética, interferências, reverberações órficas, nem tampouco o pretenso poeta com muitos livros publicados adentrará o terreno psicado da poesia. Poesia, é espírito, espírito poético, tomado pelo caldo grosso da vida, idéias, pensar, contradições, signos em transforescência.

(...)
anímoro
protoertocínio
anuro repartido
nhúfiro germe
pólipo caucóptero
infhóro fróforo
fhpóro sporozzo
início de tudo
quanto sou
na teia idílica
aracnídea tentação
palavras corridas
na frente do pensamento!?
Das tocas dos véus das línguas
irresolvidas!?
Não tem poesia
na raiz da flor
nathurínea
flor do campo
não tem e tem
na pedra crispada
de veios brancos
do tempo a radiografia
relâmpago
inscrita na matéria dura.
Fale sobre as suas teorias estéticas. Você é criador de um movimento?
Embora no "Antilugar da poesia", meu livro/manifesto, lancei o conceito e pressupostos da "Protonathural filosofia estética", ainda continuo como seu único adepto. Primeiro porque o livro foi de edição independente (como foram praticamente todos os meus livros) e atingiu um público pequeno, de poucos leitores. Segundo porque ninguém está preocupado com teorias estéticas, mas num fazer sobre todas as coisas, e nisso concordo com o pessoal. A teoria estética é a projeção do eu naquilo que você acredita, (plano espiritual) que te move e determina e justifica a tua criação. Logo, para a protonathural, minha filosofia caseira da composição, criei o seguinte conceito: "A protonathural filosofia estética, a que é anárquica em ato, é do início e do fim dos tempos, o sujeito semi-livre, em postura selvagem, interagindo com os objetos para produzir a obra nova, que vem a ser a resultante do esforço e acidente dos sentidos". Constitui essa filosofia estética uma espécie de dadaísmo, com atenção especial para o "ímpeto selvagem da criação", que pré-existe ao nathural, ou seja, antes de se tornar nathural a consciência de artista, o sujeito já traz em si, esse arrojo, esse ímpeto, para a loucura criativa, e de posse de rudes elementos (objetos) já está habilitado a compor uma grande obra. Implica numa filosofia que prestigia, inclusive os menos habilitados (no que concerne a cultura civilizada, erudição, conhecimento, etc...) a fazer. Filosofia de uno faccere sobre todas as coisas. Utópico ou não, o arcabouço da protonathural, me provoca grandes acidentes dos sentidos, e admite as megalômanas invasões nas galerias da não-razão. Um exemplo levado ao campo da poesia, vista como processo de conhecimento e processo de autoconhecimento: não dominar o discurso poético, mas ser totalmente dominado pelos signos na composição. A linguagem te conduzindo as sãs inaugurações poéticas. Instituição de espaços novos, nominações, conceitos, construções imagéticas. A práxis do dizer em torvelinho, um dizer convicto, visitante de todos os espaços irreservados do pensar e ser pensado. O sujeito não só é o dominador das linguagens, mas também é levado e dominado por elas. É MAIS OU MENOS ISSO, E A PROTONATHURAL FILOSOFIA ESTÉTICA ESTÁ DILUÍDA INTEGRALMENTE NO MEU ROMANCE/ENSAIO "O ABDUZIDO", além de outros livros em composição (inéditos).
Qual a importância da internet para a sua produção artística?
A Internet foi, é, está sendo, o grande espaço de informação & comunicação entre autores contemporâneos. A quantidade de informação cultural específica (poesia, conto, prosa poética & experimental, romance, poesia visual...), em sites, revistas, possibilita a todos os autores rever conceitos, reciclar estéticas, posições, expandir o conhecimento, com a velocidade que só essa infovia (Internet) pode oferecer. Podemos dizer que hoje, a nível de comunicação na área específica de cada arte, podemos render dez anos em um (01) nas relações, e foi o que aconteceu comigo, depois de quinze anos de militância no velho sistema edita independente, repassa aos amigos no bar consegui repercutir meus escritos para autores de muitos estados, e mesmo fora do Brasil, em pouco mais de três anos de Internet. Uma espécie de multiplicação de interlocutores, mais ou menos como o milagre da multiplicação dos peixes... leixes treixxxxesss lêmpxesssisis e o melhor de tudo com o poder de escolha do destinatário, afins, etc.
Qual a diferença entre o poeta Jairo e o prosador Jairo?
O prosador Jairo B. Pereira, ainda é condicionado por certos tiques de racionalidade criativa, de ser algumas vezes explicadinho, previsível. Está em caminho e no novo livro de prosa, crítica, pensar estético, (ESPIRITOPÉIA) funde estanhos diferenciados e adentra espaços raros, estádios que as linguagens se encarregaram de conquistar, no puro acidente dos sentidos. Uma prosa que expande o dito e o vivido, que agrega pólipos, tresenquiras pelos carreiros, repercute verdades transfinitas e bebe na protonathural filosofia estética, para onde retorna de quando em vez.O poeta Jairo, deixou de ser um dominador das linguagens, para ser médium de suas pretensões, significâncias, o poema longo, longuíssimo pelas veredas do sem-destino, as revelações silenciosas do eu, os amálgamas, as aglomerações (Dada) no entretexto, contexto, hipertexto, a palavra como a santa que consola e causa intriga, agride e sentencia. Na poesia também ocorre transubstanciação do ser em coisa. O querer perseguindo a realização, o conhecer, AS REVELAÇÕES SIGILOSAS DO EU.

(...)
poesia versus poesia
palavras em meio
palavras
hastes abstratas
na floresta da língua
transtorsugada de seus lagos
lugubres
poesia poesia
de anímoras presenças
hoje despacho palavras
vazias
vidas almas sofrenícidas
despacho sozinho no meu balcão
vespas transitoritas
o homem a ferramenta
o trabalho o sonho
poesia interferente
esgorosciente
o pólipo repartido em ato
no todo do indivíduo
polipharsesca a poesia
que engana o prestidigitador
imagens recolhidas
no dentro da palavra
vencida imagens
imgens gestos vozes
pensamentos.
Quem é o escritor brasileiro?
O escritor brasileiro, é o cara desprestigiado pelos editores sem faísca, os comerciantes de livros, formadores de cânones e outras mistificações. O escritor brasileiro, é o zé ninguém da escritura com as catanas de bambu, lutando contra o sistema que o coloca no último plano das intenções de aproveitamento. Um que outro assinalado no caos da superestrutura moedora de gente, alcança lugar de destaque. Por ironia do destino, depois que chega lá, não tem mais nada a dizer.
Com quantas metáforas se faz um poema? Qual a importância da teoria em sua poesia e em sua prosa?
Nem sempre os poemas se fazem com metáforas. Minha poesia inédita, vive de ato e pensamento. Coisas. Tresenquiras. Visões, desvios de ótica e sentir, vai direto no coração do objeto, evita o analógico, a aparência da coisa pela figura (figuras) de linguagem, quer raspar a textura das coisas, penetrar a carne da nathura em conhecer com a lâmina da linguagem acima de tudo "espiritada". Há muito de messiânico e psiquista na minha poesia, filão que procuro distender (decodificar) a fim de cada vez me conhecer melhor e resolver contradições. Há muito de contradição sofística na poesia, e a hora que você as resolve, a MATA PRA FAZER NASCER OUTRA. Costumo dizer que atrás do poeta devem correr antropólogos, filósofos, semioticistas... e loucos de todo gênero, eis que dali, de onde as linguagens dançam no ritmo dos espíritos, nascerão as novas posturas, investidas nos fatos, atos, pensamentos.
A Poesia e a prosa devem ter conteúdo sociais?
Não existe arte sem conteúdo social. O homem não está num casulo ou escafandro isolado no espaço. A vida implica em relações de compra e venda, prestação de serviços, troca de informações, conflitos interiores, paranóias, neuroses, projeções de ser, sonhar, agir, sobreviver, solicitar e morrer. A vida é um mal grave e repercute na prosa e na poesia. O poeta vive e sonha, como vivem e sonham suas linguagens, prospecções da nathureza na nathureza. Uma filosofia é apenas um conceito. Lembra do existencialismo?! "A existência do ser precede a essência". Um poema, um livro de contos, um romance, podem trazer muitos conceitos e muitas filosofias embutidas nas palavras, reflexos do espírito do autor, reflexos da nathureza no homem. E por isso, prosperam e multiplicam-se os produtos artísticos. Avança, matura e as vezes solipsia o processo do criar. Os conteúdos sociais estão em primeiro lugar no homem (no artista/artífice) em sua psique, prenhe de todas as signo-insignificâncias do mundo, depois na obra, como contributo do olhar que vê (viu), do corpo que sente (sentiu), vive (viveu) entre a objetalidade deflagradora do mundo. O seu mundo.
Como conseguiu o apoio do Bamerindus para alguns livros?
Foi numa época Rodrigo, em que estava com um pouco de dinheiro no banco E O GERENTE DA AGÊNCIA LOCAL AQUI DE QUEDAS DO IGUAÇU, DE MEDO DE PERDER A CONTA, me arrumou o patrocínio parcial do livro "Signo de minha prática". Não houve assim, aquela comunhão ideológica/poética/estética que parece ter havido. Infelizmente. E por isso tal "patrocínio totalmente impessoal" me fez mais mal que bem.

(2002)

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