A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Hugo Pontes

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- Hugo Pontes -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


Em entrevista pro Balacobaco desta semana, Hugo Pontes revela verve clara e pensamentos lúcidos. Coerente com sua geração, tece comentários precisos sobre os movimentos dos quais participou. Relativiza algumas questões teóricas e polêmicas. Enfim mostra bom senso - o que falta a detratores de qualquer visão "vanguardista" de poesia.

Nasci em Três Corações. Iniciei-me na literatura na cidade de Oliveira ao criarmos o grupo VIX de poesia. Ao longo dos anos meu trabalho foi amadurecendo. Tenho consciência do trabalho que venho realizando em favor do Poema Visual. Acredito nessa etapa de minha vida literária, assim como valorizo os meus primeiros escritos. Além de trabalhar com a literatura quer fazendo poemas ou exercitando a crítica literária, edito uma página de poemas visuais que já tem oito anos de existência. Sou professor de Literatura, faço pesquisa e já publiquei perto de 10 livros entre antologias e livros solo.


As crianças bem pequenas não diferem letras de desenho. O que há de infantil na poesia visual?
Creio que o ludismo. A possibilidade de podermos brincar, jogar com as palavras e as imagens, remete-nos à nossa infância das garatujas.
Você fez parte do grupo VIX. Foi um movimento datado! ou ainda se vê traços do ideário na poesia atual?
VIX foi um movimento que teve um tempo de duração. Nossa/minha adolescência - 1963-1965. Todo o grupo estava na sua infância da poesia. Iniciávamos algo e não sabíamos até onde iríamos. De fato fomos a algum lugar, pois marcamos, com nossos textos, um momento na poesia de Minas e, porque não dizer, uma gota de contribuição para a poesia brasileira. Creio que todos os que estiveram com VIX carregam uma experiência muito boa. Dentro de mim, no meu ideal, tenho a lembrança e a origem de VIX que jamais poderei relegar a um plano secundário, pois foi no tempo e espaço em que tudo começou.
A década de sessenta era rica. Os artistas tentavam romper o colonialismo cultural. Como participou e em que medida o poema/processo abarcava esta temática?
Os anos 60, mal havia começado, e já nos encontrávamos diante de um momento político ingrato para a minha geração. Não deixamos de produzir, mas não conseguimos romper - no meu modo de entender - com o colonialismo, uma vez que até hoje sofremos com ele e de uma forma mais agressiva do que nos anos 60. Minha participação no movimento do poema/processo é efêmera. Publiquei alguns trabalhos quando o processo encerrava seu ciclo. Não tenho muito o que falar sobre. Mas foi através dele que cheguei ao Poema Visual.
Hoje é considerado um poeta visual. O que a poesia visual tem de concretismo?
Sim, concordo e encaro minha atividade como a de um poeta visual. Não se trata de semântica. Poema visual é poema visual e concretismo é concretismo. Simples. Há diferenças enormes entre o Concretismo e o Poema Visual. Não gostaria de estabelecer comparações entre os dois movimentos e a estética de cada um deles. Além das diferenças visuais, temos as diferenças no tratamento dos temas abordados e da linguagem.
Não é um problema semântico chamar a arte que fazem de poema visual ou poema concreto. Por que não criam outro nome? Ex: Letrarte! não resolveria as questões teóricas que os mais implicantes adoram em desqualificar estas obras? Ou a palavra poema é mais importante, cult...?
Bem colocado. Não considero que o nome tenha importância. A questão de falarmos em Poema é exatamente porque trabalhamos com a forma. Se na mensagem há poesia, esta fica para o leitor. É ele que vai v(ler) isso no poema. Em verdade não há que se criar outro nome. Ele surgiu naturalmente. E, de uma maneira ou outra o movimento do poema visual já é um fato consumado e, penso, com mais um pouco de tempo estará esgotado, dando lugar a uma outra estética.
O que é necessário pra literatura atingir um número maior de leitores? Qual a sua opinião sobre os "cartolas" dirigentes da cultura?
A Literatura só atingirá um número maior de leitores a partir do momento em que a nossa sociedade exigir educação para todos. Somente esse caminho nos levará à libertação econômica, social e cultural. Com sinceridade, não tenho opinião formada sobre essa gente. Sinto apenas que estamos longe de tudo o que se pode pensar em termos de civilização culturalmente elaborada.
Pra poesia não tem tempo ruim! Por que a internet ainda é considerada uma mídia menor?
Porque ainda não conhecemos o livro. Porque o livro ainda é um bem para se guardar na estante. Como nosso povo ainda não tem acesso ao livro, tal objeto ainda é fruto de nossos desejos. Tudo que estiver além, será menor, pois não conseguimos chegar até outros veículos de informação.
O que falta fazer?
Como educador continuo a afirmar: educação, educação, educação.
O meio continua sendo a mensagem?
Para nós o meio é a massagem - do ego -.
Quais os poetas que influenciaram e são parte do que faz?
João Cabral de Mello Neto - visualíssimo. Ledo Ivo - preciso. Carlos Drummond - palavra-navalha. Os concretos - pois através dos seus poemas pude ver que o branco do papel poderia ser manchado com outras formas e a palavra decomposta.
A pós-modernidade decretou o fim dos estilos literários e da vanguarda. Você acredita nisso? Como vê o Ocopoema? Em que teoria está alicerçada?
A pós-modernidade ainda não chegou até nós, uma vez que ainda não concluímos e fixamos o nosso ciclo moderno. A vanguarda sempre existirá. O contrário é retaguarda. E não sei se queremos sempre estar à ré de qualquer movimento. Criamos esse termo em nosso primeiro caderno de poesia (1963). É quase um tratado. Penso que dentro do conceito VIX de poema e poeta o fato marcante é exatamente a possibilidade de OCOrrer o fato criativo. Entretanto isso não se dá sem que haja sentimento, percepção, compreensão e pesquisa.
Quem é o Pelé da poesia visual? Sei de um (você) que nasceu na mesma cidade.
Como o movimento do Poema Visual é amplo e nunca existiu restrições a todo aquele que quis se manifestar e dar a conhecer os seus trabalhos, penso que não há porque destacar alguém especial.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Há por parte das cabeças pensantes, uma idéia de que todo escritor deve ser aquele que vai escrever e fazer a cabeça das pessoas, principalmente sob o ponto de vista político. Cobra-se muito isso. Entretanto, apesar de fazer um trabalho mais voltado para a crítica, a denúncia, penso que o escritor deve ser aquele que escreva para a sociedade e dê a ela um momento de alegria e satisfação diante de um texto bem escrito.

(2002)

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