A Garganta da Serpente
Entrevista com Cobra entrevista com nossos autores
Entrevista com:

Goulart Gomes

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- Goulart Gomes -

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco


GOULART GOMES, baiano, 33 anos, é um dos fundadores e atual presidente do Grupo Cultural Pórtico (segunda gestão). Formado em Administração deEmpresas (UCSAL), trabalha em assessoria de comunicação. Publicou os livros de poesias ANDA LUZ (87), TODO DESEJO (90), SOB A PELE (94), A  GREVE GERAL, teatro, (97), além de três livretos (cordel e hai-kais). Além disso, integrou 19 antologias (5 internacionais), tem 22 prêmios literários e publicações em diversos periódicos do Brasil e do exterior. Como editor, foi o responsável pela publicação de 30 livros sob o selo editorial alternativo do Pórtico, tendo prefaciado/apresentado 13 livros de diversos autores.

Quando descobriu-se escritor?
Acredito que somente quando tive meus primeiros poemas publicados numa antologia internacional, resultante de um concurso literário. Na infância eu gostava de escrever minicontos; infelizmente nenhum deles "sobreviveu"... acabei perdendo (ou destruindo, não lembro) o caderno que os continha. "Depois veio a adolescência / E pintou a diferença", como diria Lulu Santos. Foi a época das primeiras paixões e das primeiras poesias. Nunca mais abandonei o vício de ambas.
Qual o primeiro livro que leu?
Que me recorde, a peça DEUS LHE PAGUE, de Joraci Camargo.
Quais os livros que influenciaram a sua formação?
Comecei a escrever poesias muito influenciado por Castro Alves. Demorou um bocado para que eu descobrisse a Poesia Moderna, o que deu uma guinada e marcou o verdadeiro início do que posso chamar de "minha obra".
Com que se inspira para escrever? Como é o seu processo criativo?
Minha poesia é essencialmente imagética. As coisas, os objetos, as pessoas, os fatos, tudo que possa afetar os sentidos (inclusive belas formas femininas), são a base do que eu faço. Como a pintura impressionista procurava flagrar o instante, eu procuro traduzir em palavras estes mesmos instantes: "sou um ladrão de cutículas / redentor de movimentos / coleciono momentos / em pequeninas partículas (Algaravia, GG)". Meu novo livro alia a isto regionalismos nordestinos e a linguagem urbana, tecnológica, globalizada, internáutica.
Qual o melhor caderno cultural entre os jornais brasileiros? Por que?
Gosto muito do Mais!, da Ilustrada e outros cadernos especiais da Folha de São Paulo, apesar de que ainda percebo muita resistência neles para a divulgação de novos autores. Aqui na Bahia, o A Tarde Cultural também é muito representativo e mais "democrático".
Quem é o escritor brasileiro? Como fazer para viver de literatura?
O escritor brasileiro é um sujeito obstinado, assim que nem o Calex, que faz do ofício um vício. Viver de literatura? Nem pensar! Eu "ralo" dez horas por dia numa assessoria de comunicação para ganhar meu pão.

Para mim, escrever é um hobby, que se vier a ser lucrativo, melhor ainda. Ao final das contas, o que conta mesmo é o prazer.
Como você vê a pós-modernidade?
A Semana de 22 quebrou tabus, mudou paradigmas. É como se eu ouvisse Raul Seixas dizendo "faze o que tu queres, pois é tudo da lei". Esta foi a grande sacada daquela turma. De lá para cá, a criatividade e o talento libertaram-se das algemas das normas, da literatura de escritório. Hoje há espaço para tudo e para todos. Não precisamos mais negar o antigo para afirmar o novo.
Como vê a informática na literatura? O livro vai acabar? Qual o futuro da literatura?
A informática faz muita diferença. Ela trouxe, para o escritor, um miríade de possibilidades, influenciando a consecução de trabalhos de autores tão díspares quanto Soares Feitosa (CE) (ver o livro "Psi, a Penúltima") e os concretistas, pós e neos, visualistas, etc. (como Hugo Pontes (MG) e Almandrade (BA)). O livro vai acabar, sim... daqui a alguns centenas de anos. Mas isto não acabará com a literatura, assim como a televisão não acabou com o cinema. A forma certamente irá mudar, mas a essência da arte, como expressão do ser humano, permanecerá. Quer uma prova? Deixamos de escrever nas paredes das cavernas, dos monumentos, nos pergaminhos, nos tijolos... mas não deixamos de nos expressar.
O que pensa de Drummond, Cabral, Geração de 45?
Identifico-me mais com a Geração de 30, com os regionalistas nordestinos, sem querer dar uma de "bairrista", apesar de ter uma grande  admiração por Ferreira Gullar, com quem tive o prazer de bater um bom papo. Mas João Cabral, Lins do Rego, Graciliano, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Mário Palmério, José Cândido, Jorge Amado e outros, popularizaram um Brasil esquecido, longe do Sul Maravilha: o Brasil que o Brasil esqueceu. Problemas, como o da seca, foram evidenciados. Problemas que continuam até hoje e não serão resolvidos com cestas básicas e frentes temporárias de trabalho em períodos pré-eleitorais. Luiz Gonzaga cantava: "mas doutor, uma esmola / para um homem que é são / ou lhe mata de vergonha / ou vicia o cidadão". Só falta vontade política. Já o Drummond, aprecio demais como homem, não tanto como poeta. Sua poesia é muito intimista, depressiva, apesar de universalista. Ele é melancólico e os melancólicos não combinam.
Qual o poeta predileto (brasileiro e estrangeiro)?
Manoel de Barros, João Cabral, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil (não se assustem); no exterior, Fernando Pessoa, Whitman, Cummings, entre outros.
O que pensa da polêmica poesia x letra de música?
É uma discussão feroz. Depende do que se queira conceber por poesia. Há poesia na pintura, na escultura, na matemática, na música, também. Para mim a receita é simples: tire a melodia, se sobrar algo de bom, é poesia.
Por que é tão difícil publicar e vender poesia no Brasil?
Eu sou daqueles que acham que poesia não presta para nada. As telas decoram as paredes; os romances viram telenovelas ou filmes; os textos dramáticos, peças de teatro; a música, CDs, shows. E a poesia? Alimento de traças. A poesia é inútil... mas indispensável para quem a ama.
eve muita dificuldade para editar o primeiro livro? Qual o livro mais bem escrito queo escreveu?
Todos os meus livros publicados foram por mim custeados (alguns até com ajuda de amigos). Considero meu melhor trabalho já publicado o livro de poesias SOB A PELE. Os melhores poemas nele publicados estão em minha homepage (http://www.geocities.com/Paris/Bistro/6961). Contudo, ele representa uma realidade que já não é a atual. Meu novo livro está anos-luz à frente dele. Disponibilizei, em meu site, também, "A Última Cruzada", um livro de poesias virtual, que não será impresso.
Há algum livro seu que não deu certo?
Todos deram certo, se considerarmos a importância de cada obra que fazemos.
Qual o seu livro mais recente? Fale um pouco dele.
Tenho um livro de poesias novo, que estou mantendo inédito. Como  falei anteriormente, é uma proposta nova, que procura brincar com nossas "linguagens", nossa língua brasileira. É uma proposta diferente, inovadora. Além disso, estou concluindo um pequeno romance esotérico.
Há sempre a briga editora x escritor? O que querem as editoras?
Eu não diria "briga". As editoras não são entidades filantrópicas, são sociedades comerciais e precisam ganhar dinheiro. Publicar livros é um negócio de alto risco. As editoras precisam lançar "sucessos", reais ou "fabricados". É preciso lembrar que por trás de qualquer produto tem de haver muito marketing. Ratinho, Paulo Coelho, Lair Ribeiro são grandes exemplos disso, sem querer questionar o mérito de qualquer um deles. Mas, para vender muito não é necessário ser um grande escritor,  basta ter uma excelente assessoria de propaganda. É mais difícil sair da lista dos DEZ MAIS VENDIDOS que entrar nela. Por que será?
Você, mesmo com sucesso do site, tem alguma dificuldade de cumprir normas estabelecidas?
Se as normas não pudessem ser quebradas ainda estaríamos vivendo em clãs. O bom senso, o respeito e a honestidade é que devem nortear todas as relações humanas.
Como é manter um site e um projeto como o Pórtico? Fale sobre. Quais são as principais dificuldades que enfrenta? Como é a relação da comunidade com o Pórtico?
Bem, além de mim tem muito mais gente trabalhando para que o Pórtico aconteça: Júlio de Andrade, Lino Chamusca, Rose Rosas, Argemiro Garcia, Djalma Filho e João Sampaio são os outros diretores do Pórtico. Mas em todos os projetos que realizamos contamos com a colaboração dos participantes. Em três anos de existência, publicamos 30 livros de novos autores, incluindo duas antologias internacionais e realizamos uma série de outros eventos culturais (ver nosso site: http://www.geocities.com/Athens/Agora/3382), sempre de forma cooperativada. Como o Pórtico não tem fins lucrativos e vive sempre com "caixa zero", a maior dificuldade é mesmo a financeira. Neste ano estamos começando a buscar patrocínios da iniciativa privada, utilizando leis de incentivo à cultura, mas não está fácil. Alguém aí pode ajudar? Junto à comunidade temos obtido uma credibilidade cada vez maior, devido à seriedade com a qual procuramos conduzir nossas ações.
Falando em Tchan. Em que o Tchan da Carla Perez prejudica a cultura nordestina?
Carla Perez é maravilhosa! Só não sei porquê insistem em fazer entrevistas com ela. Carla é uma dançarina, profissional naquilo que faz. Ela não é a primeira e não será a última por seduzir com seus dotes físicos. Já esqueceram de Luz del Fuego, Virgínia Lane, Gretchen e tantas outras? Nós é que atrapalhamos tudo: entretenimento não é cultura. "Só é possível filosofar em alemão", como diz Caetano. Quer pensar? Vai ouvir Chico (Buarque, Cezar, Science), Gabriel, o Pensador,  Renato Russo. Axé-music é para ouvir e dançar, não agrega nenhum valor. A verdadeira cultura nordestina está longe dos CDs, da grande mídia, do horário nobre da TV, que gasta meia hora com os romances de uma macaca no zoológico. A cultura nordestina está nos livros.
Quais os problemas de divulgação entre o sul maravilha e o nordeste?
Não gosto de fazer distinções entre sul e norte. Isto já deu uma Guerra de Secessão! Amo o meu país do jeito que ele é, com todas as suas diferenças. Gaúcho, baiano, carioca, pantaneiro, nortista, para mim é tudo igual. Todo o país reverencia a cultura baiana. Na literatura, através de Jorge Amado e João Ubaldo; nas artes plásticas, com Carybé, Calazans, Tato, Mário Cravo, Carlos Bastos; na música, com a Bossa Nova, os Doces Bárbaros, os Novos Baianos, a turma do Axé; na dramaturgia, com Dias Gomes; na fotografiam com Verger; no cinema, com Glauber; na poesia, com Castro Alves e, contemporaneamente, com Ruy Espinheira, finalista do Prêmio Nestlé. A lista é inumerável. Não podemos nos queixar. O que importa é fazer bem feito.
Como podemos definir o poeta nordestino?
Não me prendo a definições. Poeta e lágrima é igual em qualquer lugar do mundo.
O que fazer para tirar o poeta nordestino da toca?
Concedendo a ele uma entrevista no Balacobaco :):):)(TAMOS AQUI PRA ISSO) O poeta nordestino está fora da toca... o mato é que está muito alto.
A polarização Rio e São Paulo é prejudicial a cultura brasileira?
De jeito nenhum. Continuamos todos pobres, criativos e felizes.
O que reivindicam os nordestinos?
GG - Água!
Rimbaud escreveu até os vinte anos, acabou a época dos jovens gênios?
Cora Coralina "apareceu" já idosa, apesar de escrever desde jovem. Quem garante que não temos, hoje mesmo, inúmeros gênios aos vinte anos. Que fez Rimbaud após os 20 anos? Não é importante ser apenas um jovem gênio, mas também um adulto gênio, um velho gênio. Rimbaud teve o apoio de Verlaine. A questão é mais de oportunidades ao novo autor, o que nós, do Pórtico, procuramos oferecer.
Você teve que vencer alguma barreira para tornar-se escritor?
Só a da linguagem.
Qual a principal característica que deve ter um bom escritor?
Estilo, originalidade. Saber contar as coisa de forma única, pessoal, diferente.
Caso conselho fosse bom ia-se cobrar, mas esquecendo-se do ditado, qual o conselho que você daria para quem está começando?
Ler três vezes CARTAS A UM JOVEM POETA, de Rainer Maria Railke (edição com introdução de Cecília Meireles)e , depois, O FEIJÃO E O SONHO, de Orígenes Lessa.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Traduzir o Universo, reinventar o Belo. Formar opiniões, denunciar, despertar emoções, divertir, transmitir conhecimento. Para o escritor, até papel reciclado serve.
Que perguntas gostaria de fazer e ninguém ainda fez?
" Foi bom pra você?"

(2002)

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